terça-feira, 28 de junho de 2011

"O CARIL DO AGNELO"

O meu caril ― que me dá tanto trabalho a fazer e cuja confecção costuma contar com a presença, na cozinha, de amigos que vão trocando brindes entre copos de bebidas várias e muita conversa interessante, enquanto eu me concentro na cocção do repasto ― levou-me ultimamente a viver um episódio arrepiante que vou contar a seguir.

Não sei se sabem, mas a minha receita de caril - tão afamada entre os meus amigos que vivem em Lisboa – nem sempre fez o sucesso que eu acho que merece. Numas férias por mim gozadas fora de Lisboa, fiz uma vez questão de levar todos os ingredientes que costumo utilizar no “Caril do Agnelo" para deliciar um grupo de pessoas.

Qual não foi a minha decepção quando, mais tarde, certo dia, fiquei a saber directamente da boca de um das pessoas, de um dos comensais, que o meu caril “não prestava” porque «tinha os camarões mergulhados no molho que era muito» (como deve ser, aliás!).

A reprovação era sustentada na impressão visual primitiva “optométrística” do comensal: a quem não interessavam os sabores, os cheiros, a temperatura e a textura dos alimentos apresentados; a sábia utilização do picante, a conjugação do caril com o arroz branco Basmati puro cozido sem sal (como é da praxe) e servido logo após ter sido escorrido ― nada disso interessava!

O caril “não prestava” porque «o molho era muito» (em quantidade e para a medida da pessoa, entenda-se ― caramba, ela até podia doseá-lo a gosto, não é!?); mas não: definitivamente «aquilo não era caril».

Muito se sofre neste mundo, Meu Deus! Tende piedade de mim! E a essa pessoa e a outras que tais... perdoai-lhes porque não sabem o que são: a Culinária, a Gastronomia, a Enologia, por exemplo. E estou em crer que se alguém um dia tiver a desdita de se lhes apresentar como sendo um gourmet – ou zangam-se a valer, ou sacam da pistola e abatem-no.

São pessoas para quem a vida é muito simples; são pessoas simplórias, é isso mesmo: comem para enfardar e bebem para se embebedarem... Para elas “degustação” é uma palavra sem significado.
Triste vida...!