segunda-feira, 14 de março de 2011

CONTRA PONTO

Assisti ontem a uma actuação bizarra de Pacheco Pereira no seu (dele) programa, Ponto Contra Ponto, na Sic Notícias. Bizarra porque actuou como um verdadeiro transformer: Do produto genuíno do Maio 68 que foi até certa altura (década de setenta pelo menos), transformou-se, politicamente falando, indo buscar uma entrevista de Raymond Aron (um opositor dos protagonistas de Maio 68) ― um opositor que Pacheco, ao tempo, deveria certamente ter abominado ― para MUITO SUBTILMENTE se carregar de razão na sua sanha actual contra os jovens a quem já apelida de portadores da “ideologia deolindista”, tentando com isso apoucá-los claramente, sem se dar conta da enorme contradição em que cai. E apresenta a esta juventude, como condição primeira para obterem dele a chancela de “gente válida”, a exigência de um programa de acção, quando não de uma ideologia clara.

Estamos a assistir em Pacheco a uma metamorfose intelectual que terá tanto de triste como de surpreendente. Será talvez um sinal da idade; também da experiência e da sabedoria que se adquirem com a idade; mas também é sinal de conservadorismo e de reaccionarismo que não têm obrigatoriamente que ver com a idade.

Pacheco não aceita que os jovens que se manifestaram não tenham um programa de acção escrito ― se calhar aprovado no Parlamento, digo eu ― como base dos protestos.

Que se saiba, a única revolução que se baseou num programa escrito, melhor num tratado político escrito mais de seis décadas antes, o Manifesto do Partido Comunista, foi a Revolução Russa de 1917. Mas Pacheco não ignora que a Revolução Russa se inspirou e se baseou numa revolta, num protesto contra o regime absolutista do Czar Nicolau II, havida em 1905 na Rússia, o Domingo Sangrento, revolta esta cuja importância é conhecida na preparação da Revolução de 1917, mas que não tinha (a revolta também não tinha) qualquer programa escrito que a sustentasse organicamente.

E Pacheco quer agora exigir aos nossos jovens “à rasca” o que não se pode exigir-lhes!...

Lá que se queira armar em Raymond Aron dos nossos dias, é lá com ele; em certa medida já foi Lenine, já foi Estaline e já foi Mao; agora também já pode apresentar-se como Raymond Aron que ninguém leva a mal.

Veja a parte do vídeo subtilmente apresentada como “dinamite cerebral”, a partir do minuto 9:15