domingo, 6 de fevereiro de 2011

Epístola Décima Sétima:

Ser culto es el único modo de ser libre
José MARTÍ (1853-1895.


(I)
            Por razões e motivos óbvios, vamos evocar, nesta nossa Epístola, um dos filósofos, que criticou, de forma desabrida e aberta, o sistema esclavagista e o colonialismo. Estamos a falar do pensador francês, Emmanuel MOUNIER (1905-1950), o autor deste belo Opúsculo, que é, efectivamente: “L’Éveil de l’Afrique noire”. De anotar (antes de mais), que em 1936, no seu célebre Manifesto ao Serviço do Personalismo, propõe os fundamentos de uma Doutrina (nitidamente) Social (O Personalismo), a qual, vinha, na linha das ideias e ensinamentos do escritor francês, Charles PÉGUY (1873-1914) e do filósofo e arqueólogo francês, Jean-Gaspard Félix RAVAISON (1813-1900), em que sublinha a relevância da inserção “colectiva da pessoa”. Para E. MOUNIER a dignidade da pessoa humana constitui o fundamento de toda a ordem social. A influência do seu Pensamento se encontra (ainda), hoje (presentemente), na orientação e acção de numerosas organizações operárias.

(II)
            De feito, MOUNIER (que dignificou) o Personalismo como Filosofia centrada sobre a Pessoa, enquanto relação, abertura e solidariedade (outrossim) como movimento de acção efectiva a favor da Pessoa. MOUNIER representa (efectivamente) uma das consciências mais críticas do seu tempo. Donde, que o seu avisado magistério filosófico merece a maior atenção (actualmente), no que diz respeito às conexões Europa África. No seu périplo pela África ocidental francesa, em 1947, estigmatiza o desprezo e a negação do mundo negro, indicando vias possíveis para um reencontro real e frutuoso das culturas e das pessoas da África e da Europa.
            Enfim e, em suma: MOUNIER pode ser considerado, como um dissidente (assumido e consciente) da boa consciência colonial e colonialista europeia, que tomou a palavra, não ao abrigo de salões feltrudas. Sim, efectivamente, no cerne da realidade africana que fora reencontrar.


(III)
            Ao contrário de outros filósofos europeus que falam mal da África e dos Africanos, utilizando asserções temperadas de ignorância e/ou de desprezo, MOUNIER estabeleceu uma relação efectiva, complexa e total com a realidade africana. Esta relação (sem reservas, sem restrições, sem preconceitos), oferece lições práticas, inter-culturais sobre o próprio sentido de viajar. De feito, o viajante aceita aprender, com tudo que este exercício comporta de paciente, atenção e de luta contra si próprio, ou seja contra ideias preconcebidas da sua própria comunidade cultural de pertença.

(IV)
            De sublinhar, todavia, que esta permeabilidade de MOUNIER à realidade africana não deve eclipsar o seu (louvável) esforço para compreender a alteridade sem a enfrentar como se defronta um perigo (antes, pelo contrário). De facto, a experiência de MOUNIER nutre (em permanência) duas atitudes dissemelhantes e complementares, designadamente:
            --- Viver e pensar, se deixar informar e colocar questões, recolher informações e tentar (não unicamente) concatená-los entre si, mas (outrossim) encadeá-los com o cuidado de estabelecer uma positiva solidariedade entre os homens e os povos, o eloquente paradigma, que caracteriza o Personalismo Comunitário. MOUNIER não se contenta viver a realidade africana, suporta-a, reflecte-a, pensa-a, isto é, coloca-a em conexão com o que (que não é ela), articula a sua particularidade à exigência da universalidade que define a razão. Nisto o personalismo se situa nas antípodas de uma abordagem abstracta do real, pois que (esta), jamais se instala (definitivamente) em nenhum destes nichos (ou seja, aprender, compreender, se informar, pensar). Eis porque, a relação de MOUNIER com a África se mostra condescendente (até certo ponto).
            --- Demais, ao ler, o que importa (mais para o viajante), não é a relação (enquanto tal), sim, efectivamente, o que (ela) torna possível, na perspectiva da humanização do Homem. Esta relação (se enraíza), numa atenção à particularidade africana que não perde o sentido da Universalidade. Com efeito, MOUNIER, na viagem no Sul jamais perde o Norte (poder-se-ia, asseverar, avisadamente).
            --- Donde e daí e, em conclusão: Deve-se-lhe (com isso) uma bela lição de Filosofia. Ou seja: Pensar os problemas da África, é inscrever a África no Mundo, fazê-la sair da sua solidão para a abrir e vinculá-la (firmemente) ao Mundo. De consignar, aliás, que, demasiado (frequentemente), a África se fecha e (se torna a fechar), quando (ela) não é (remetida para si mesma) e para uma singularidade artificial.

(V)
            Os Africanos “não possuem” o monopólio da reflexão sobre a realidade africana, o monopólio da crítica do ignominioso sistema de exploração e de negação que o Continente Africano sofreu e que pode ser qualificado de crime organizado contra a Humanidade.
            Nisto o personalismo pode ser considerado como um humanismo (à maneira do Existencialismo) cuja figura principal não hesitou em tomar partido para a causa dos “condenados da terra”. É bem isso que se trata. Com efeito, na realidade, toda acção assumida contra o monstro do ódio do outro perderia o seu valor profundo de acto humanista, se (ela), se definisse como tomada de posição unilateral.
            Vemos nisso (presentemente no âmbito da identificação da negrofobia), uma das causas relevantes, porém (subtil e inconsciente) da impotência em realizar o desenvolvimento de África. De facto, para além da necessidade de produzir bens e serviços de consumo para satisfazer as necessidades primárias das pessoas e das comunidades em África, se deve convencer que toda a forma de ódio ou de desprezo a respeito do homem negro inutiliza as possibilidades verdadeiras do seu desenvolvimento e expansão respectiva.

            Enfim e, em suma: O Humano (seja de África ou de algures) tem necessidade para se realizar: Da consideração de si mesmo e de outrem. E, comungando, criticamente com Emmanuel RENAUD, servindo-se dos seus ensinamentos postulados na sua Obra: Mépris social, éthique et politique de la reconnaissance (Éditions du Passant, Paris, 2004), temos que:
            Le rapport positif à soi-même, loin d’être une donnée structurelle de la subjectivité, est une construction fragile toujours susceptible d’être remise en cause […] la subjectivité est inter--subjectivement constituée […] de rapport positif à soi est le résultat d’une construction sociale ».

Lisboa, 02 Fevereiro2011
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista --- Cidadão do Mundo)