No cerne do
“Renascimento Africano”:
“Ser culto es el único modo de ser libre”
José MARTÍ (1853-1895).
NP:
O inventário após um meio século de In dependência se encontra amplamente aquém das expectativas (as mais modestas) no atinente ao parâmetro que diz respeito à elevação do nível geral de vida das populações e de uma conduta autónoma, responsável perante os assuntos do Continente.
A verdade é que as condições de passagem à uma soberania (outra que formal) se encontravam (bel et bien) armadilhadas por vários séculos de esmagamento, que tinham consagrado a colocação em ordem de um Continente pelo Ocidente hegemónico, principalmente. A Cristianização e a Islamização (assumidas) na globalidade dos seus efeitos sociais, fizeram saltar os ferrolhos que teriam podido manter uma dinâmica e uma vontade africanas endógenas nos fundamentos da acção colectiva.
Precisamente, o enorme insucesso das In dependências poderia se reler como a preservação paradoxal das oportunidades africanas de experimentação, de demonstração, de aplicação de um paradigma civilizacional próprio. É, por conseguinte, este pior, o pior cada vez pior desta monstruosa Cosmogonia do pior que se observa o capital força de um “renascimento africano” dominado pelas suas promessas desde de mais de sessenta anos por Cheikh Anta DIOP. Trata-se do capital endógeno africano, espalhado pelos museus ocidentais, armazenados no espírito e na filosofia das línguas, conservado nos mitos, contos, provérbios, alegorias, amiúde deformado, ridicularizado, desfalcado, mesmo desviado, escassamente tomado como objecto de estudo (à parte inteira) pelos Africanos.
Com efeito, no fundo do poço desafectado, desta ruína abandonada ou reduzida à alguma curiosa escória do passado, exótico tesouro etnológico, anicha, não obstante, de nada desconfiar acerca do capital estratégico da África nova. A que pesa do peso dos seus cinco milenários de civilização, dos primeiros passos da hominização, do pensamento simbólico, da matemática, da estética, da escrita, da ética. Visões do mundo endógeno, stocks de saberes e de savoir-faire autóctones, medida nova dos mundos africanos, enriquecida pela coluna da diáspora, (que não cessou de contribuir), ideologicamente para a existência e para as resistências do Continente. Estas três dimensões, pelo menos, podem suportar a arquitectura intelectual dos paradigmas do “Renascimento africano.
(I)
As Revoluções filosóficas e culturais precederam, quase sempre, de modo profético e premonitório, as grandes Revoluções sócio-políticas.
As independências africanas, que constituem os sinais relevantes do Século XX, se inscrevem nesta trajectória da libertação da África do jugo colonial e, frequentemente, na sequência de ásperas revindicações de carácter político cultural conjugadas, em certas ocasiões, com sublevações armadas.
(II)
Eis porque, pensamos, que seria necessário, objectivamente fazer remontar às origens longínquas das independências africanas, ao momento cultural de renascimento negro africano surto, desde o início do século XX nos Estados Unidos da América:
--- Ou seja: desde o “negro renascimento de Harlem”; o movimento “Black to Africa” (Countee Cullen, Lagston Hughes, Claude Mac Kay, Marcus Garvey…).
--- Até às experiências parisienses dos anos 1930-1950, da “Legitime defense”, do “Étudiant noir”, da Sociedade africana da cultura e da “Négritude”.
(III)
Impõe-se notar (antes de mais), outrossim, que com a exacerbação da “guerra-fria” (o famigerado “equilíbrio do terror”) e da bipolarização ideológica do Mundo, uma terceira corrente, a dos “Países não alinhados” tentou, laboriosamente abrir uma via autónoma, sem (quiçá) ter (totalmente) êxito, fazendo, no entanto, oscilar, como a Bandung (na Indonésia), em 1956, a marcha da história.
Não se pode, tão pouco, negligenciar o impacto das duas guerras mundiais (1914-1918 e 1940-1945), na tomada de consciência dos soldados africanos e das elites negras comprometidas nessas guerras: a dos seus direitos à justiça e à igualdade, enquanto homens entre outros homens. Identicamente, os Congressos mundiais dos artistas e escritores negros em Paris (1956) e em Roma (1959) foram momentos excepcionais no âmbito da aceleração da história africana para a descolonização.
Posto isto, vamos estudar os dissemelhantes modelos da evolução do “Renascimento africano”:
(A)
(1) À cada etapa relevante da história do Continente, o conceito de “renascimento africano” volta a estar na moda, quer como euforizante ideológico, quer como escudo, numa espécie de movimento de vinco de identidade, quer como compromisso histórico.
(2) Frantz FANON, Aimé CÉSAIRE, Cheikh Anta DIOP,Joseph KI-ZERBO ou Patrice LUMUMBA foram e permanecem entre os profetas deste renascimento africano pela Cultura. Todos hostis à barbárie da colonização e vigilantes face às armadilhas da descolonização.
(3) No ano de 1955, o poeta e dramaturgo martiniquês, Aimé Césaire (1913-2009) in Discours sur le colonialisme escreveu: “On me lance à la tête des faits, des statistiques, des kilomètres de routes, de canaux, de chemin de fer. Moi je parle des milliers d’hommes sacrifiés au Congo Océan. Je parle de millions d’hommes arrachés à leurs dieux, à leur terre, à leurs habitudes, à leur vie, à la vie, à la danse, à la sagesse ».
(4) Quase (em eco), cinco anos mais tarde, aquando da Independência do Congo-Kinshasa, Patrice LUMUMBA (1925-1961), responde ao pé da letra ao Rei Baudouin (dos Belgas), da seguinte forma:
[Notre lutte] qui fut de larmes et de sang, nous en sommes fiers jusqu’au plus profond de nous, car ce fut une lutte noble et juste, une lutte indispensable pour mettre fin a l’humiliant esclavage qui a été imposé par la force […].
« [Nous avons connu que la loi, n’était jamais la même, selon qu’il s’agissait d’un Blanc ou d’un Noir : accommodante pour les uns, cruelle et inhumain pour les autres ».
« Nous allons montrer au monde ce que peut faire l’homme noir quand il travaille dans la liberté, et nous allons faire du Congo le centre de rayonnement de l’Afrique tout entière.
(5) Por seu turno, Cheikh Anta DIOP (1923-1986), faz-lhe eco quando (ele) escreve no prefácio à Théophile OBENGA (n-1936), o seguinte: Une action ne peut être révolutionnaire que dans la mesure où elle s’enracine profondément dans l’histoire et la culture nationales. Et la révolution africaine passe par la restauration de la conscience historique des peuples africains et la rénovation des langues nationales.
(B)
--- Da Promoção das identidades culturais (1960-1970) :
A criação da Organização da Unidade Africana (OUA), nascida sobre fundo de dores trágicas, designadamente, no Congo Kinshasa e num contexto de “guerra-fria” entre a África moderada e a África “progressista”; ou num registo estritamente cultural, a realização do Festival Mundial das Artes negras, em Dakar (Senegal, em 1966) sob a impulsão do Presidente Poeta, Léopold Sédar SHENGOR (1906-2001),
-Foram as expressões desta África partilhada entre, por um lado, as nostalgias (mal saradas) da África Mãe, da África (Paraíso perdido) e do outro lado, o salto para o desconhecido, os entusiasmos e as viragens mal negociadas para uma autonomia (por avanço vão), “alienável” (tanto quanto possível), numa África tensa, desesperadamente para uma espécie de energia centrífuga…
Foi, com efeito, na ânsia da mesma procura das Identidades que foi concretizado o Projecto da francofonia, em Niamey (Capital do Níger), em 1970 por iniciativa dos Presidentes da Nigéria, Hamani DIORI (1916-1989), do Senegal, Léopold Sédar SENGHOR e da Tunísia, Habib BOURGUIBA (1903-2000).
Todavia, o rebentamento dos golpes de Estado militares e a militarização musculada dos sistemas políticos acabaram por fazer oscilar os conceitos culturais e postos em causa a favor do culto da personalidade.
Lisboa, 09 Janeiro 2011
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista --- Cidadão do Mundo).