sexta-feira, 8 de outubro de 2010

VOU DIZER UMA ENORMIDADE

Através do blogue Acto Falhado, de Rita Ferro, cheguei a este clip vídeo de um noticiário da SIC Notícias em que intervém o Frei Capuchinho, Fernando Ventura, cujo discurso me prendeu e agradou muitíssimo levando-me a comprar, logo no dia seguinte, o Roteiro de Leitura da Bíblia, de sua autoria. Li-o ontem de um fôlego (por isso a ele voltarei para uma leitura mais cuidada).

Posso estar a ser injusto, cego e estúpido parecendo-me o discurso de Frei Fernando de certa forma datado; mas o pior (talvez só para mim) é que o acho um bocadinho prestidigitador do verbo e aqui e ali vendedor de pele de cobra.

Eu não concebo (como parece-me que Fernando Ventura faz) que os “escritores” da Bíblia fossem assim tão... tão inteligentes e rebuscados que (TODOS eles) escrevessem tudo ao contrário do que queriam dizer ao povo de Deus ― repare-se, ao povo ― de forma tão cabalística, cifrada ou “codificada” que só através de uma máquina tradutora complexa se pudesse vir a compreender o essencial do texto sagrado.

A serem as coisas como Fernando Ventura a mim me parece dizer que são (ou foram), é pena que as grandes universidades e bibliotecas onde alguns profetas e “escritores” da Bíblia se formaram e se esclareceram, até à complexidade máxima da linguagem humana por eles praticada (estou a pensar em S. Mateus e S. Lucas, autores das Bem-Aventuranças, por exemplo), não tenham deixado algum espólio que pudesse esclarecer-nos a nós, pobres de espírito e de formação, de hoje, como é que se aprende a escrever ao contrário* 73 livros (tanto quantos terá a Bíblia).

Mas o que é ainda uma pena maior, sempre quanto a mim, é que a suprema formação dos profetas e “escritores” da Bíblia não os tivesse levado a compreender e a praticar aquilo que parece óbvio: escrever simples porque a Bíblia destinava-se afinal ao povo de Deus.

Porque ― a ser a Bíblia aquilo que Fernando Ventura diz que é ― então é um livro hermético feito por e destinado a apenas iniciados.

Neste caso ― que lhes faça bom proveito.

Mas como isso não é proibido ― eu vou continuar a ler a Bíblia mais à lá Saramago do que à lá Frei Fernando Ventura.

Espero que Deus me perdoe a heresia...!

(*) Apenas um exemplo do que eu chamo escrita ao contrário:

Na página 60 (§ 3º, 3º período) lê-se:


«Ainda que o texto fale da “expulsão do paraíso” como um castigo de Deus, estamos claramente diante de uma explicação de carácter etiológico . No fundo da consciência do autor ou autores, está uma ideia diametralmente oposta

O Roteiro é todo ele assim. Resulta daí que A Bíblia é um livro escrito de pernas para o ar. Não quer, portanto, dizer o que diz. Quer é dizer o contrário do que diz. Mas também não é bem isso, como veremos.

Se a Bíblia não deve ser lida literalmente como faz Saramago e condena Frei Ventura, também parece não deverá ser lida "antiliteralmente" (pelo menos na sua totalidade), pois Frei Ventura, na página 63 (§4), aí, como lhe convém, faz uma leitura integralmente literal do capítulo 21, 1-4 do Livro do Apocalipse. Ficamos assim instruídos que talvez a Bíblia é para ser lida como convém a cada um. Haverá então uma Bíblia para cada leitor. Nesse caso, para que serve tanta exegese já feita? Sobretudo para que serve este Roteiro de que estamos a falar, senão apenas e só para nos trazer a opinião do seu autor?!

Não era bem isso que eu esperava...!