sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Peça Ensaística Quinquagésima Terceira, no âmbito de

Na Peugada de NOVOS RUMOS:


Ser culto es el único modo de ser libre
José MARTÍ (1853-1895).

A epopeia Utópica de VLADIMIR MAÏKOVSKI
(1893-1930)
Primeira Parte:

(I)
                Nascido em BAGDADI (actualmente, MAÏAKOVSKI, Geórgia), no ano de 1893, VLADIMIR MAÏAKOVSKI amava o risco, o jogo, o dinheiro e as mulheres. Era um homem extrovertido, anti-conformista e provocador, que a escritora francesa de origem russa, Elsa TRIOLET (1896-1970), sua compatriota georgiana gostava de comparar a um “Tremor de terra”.
                Marxista, comprometido desde 1908 no Partido operário social-democrata da Rússia, se lançou no turbilhão revolucionário, insaciável na sua procura do Absoluto, ao ponto de servir, conscientemente o poder totalitário.

(II)
                Pintor, poeta, dramaturgo, artista gráfico, cartazista, se assumia mestre na “Arte socialista”, preocupado com a aceleração da edificação de um Mundo novo sobre as ruínas do antigo. Qualificando-se de futurista, muito antes da revolução, não acreditava numa cultura intrinsecamente proletária, sim, efectivamente, na invenção de uma arte para as massas, receptível, uma vez, estas últimas educadas e elevadas à consciência de Si. E, para provocar um tal encontro, a fusão suprema, gostava “berrar” a sua Poesia, em todos os lugares possíveis. Identicamente, se aplicava, ainda, de modo assaz afincado, na depuração de estilo.

(III)
                Autor de numerosas utopias, MAÏAKOVSKI respondeu aos comandos do dramaturgo, crítico literário e político soviético (responsável pelas políticas públicas revolucionárias para a Educação), Anatoli Vasilevitch LUNACHARSKI (1875-1933), para nutrir as diversas actividades culturais da Revolução, outrossim e, ainda, o jovem cinema soviético.
                Pelos seus Textos líricos e os seus suportes gráficos sacralizou os dirigentes e, outrossim, por extensão óbvia, a TCHEKA/CHECA (primeira das organizações de polícia secreta da União Soviética). E, baseando-se, no exemplo de Vladimir Ilitch Ulianov LENINE (1870-1924), escreveu este histórico Poema para o primeiro Aniversário do passamento do Líder: “Eu, me corrijo à luz de Lenine para lavrar mais longe a Revolução”. Glorificando o Grande Estratega (o jogador de xadrez, promovido de peão ao inimigo real), reafirmava a sua fidelidade ao homem e à sua ditadura: “Substituindo por pessoas os peões de outrora, colocou a ditadura operária por cima das prisões das torres do capital”.
                Por seu turno, o Poema: O Proletário voador (datado de 1925) enaltece os progressos tecnológicos “em jeito de pilhéria”, para “representar o cidadão do porvir”. De feito, no comunismo, a vida do operário se simplificou, a tal ponto, graças à Ciência e à Electricidade, que este último (referindo-se obviamente ao operário) e membros da sua família aprenderam a voar: “Até mais ver, me voo para o liceu”.

(IV)
                De sublinhar, outrossim, que, os mais reveladores dos seus escritos são, com certeza, os seus espontâneos nos quais transparece a sua verdadeira busca, antes que a Cultura de Vanguarda não entre em desgraça com o advento da Nova Política Económica (NEP) implantada em 1921; antes que o Poeta não se encontra em desacordo com as Edições do Estado. Entretanto, de sublinhar, jamais, se transformou, por essa razão, em opositor.
                De feito, MAÏAKOVSKI, quer, no seu País, como no Mundo inteiro, serviu os bolcheviques e a sua Revolução, de modo, dialecticamente consequente, se afirmando (ainda, em vésperas da sua morte): “escritor da revolução para a revolução”, o que lhe valeu ser reabilitado por Estaline: “MAÏAKOVSKI foi e permanece o melhor talento poético da nossa época soviética. A indiferença à sua memória e às suas obras é um crime” (PRAVDA, 7 Dezembro 1935).

Segunda Parte:

(V)
                Activista e utópico, a sua notável e, assaz marcante, Peça teatral: Mistério bufo responde, exactamente às paixões de MAÏAKOVSKI, mesmo, se este célebre escrito de 1918 jamais alcançou (enquanto ele era, ainda vivo), a derradeira Consagração. A peça foi composta para celebrar o Primeiro Aniversário da Revolução de Outubro e se apresenta, como a Obra do proletariado vencedor (este bárbaro purificador), tendo desbravado o terreno do passado para aí edificar um porvir radioso. Mistério bufo está enredado pelo burlesco sobre fundo de determinismo histórico, sendo o Dilúvio (leia-se: a Revolução) apresentado, como a Decisão celeste popular de ver desaparecer o mal, a imperfeição humana sob as ondas destruidoras.
                No seio desta tormenta, catorze (14) proletários (os impuros) e catorze (14) senhores (os puros), entre os quais se encontram o NÉGUS da Abissínia, um traficante russo, outrossim, porém, GEORGES CLEMENCEAU e LOYD GEORGE. Por não se sabe que fortuna, estes vinte e oito (28) isolados (são coagidos para sobreviver) a construir uma arca. Os puros, imediatamente (sem demora), se impõem, como, mestres das obras: “É preciso os coagir a isso!” “O monte ARARAT, o limiar de libertação, lhes parece tão afastado, eis porque, uma ordem transitória se impôs no barco com a sua hierarquia e as suas regras desiguais: a cada um a sua função, a cada um a sua retribuição”.
                A monarquia é, adoptada, de imediato e o povo (os impuros) se encontra encarcerado no porão, entretanto, prontamente retirado deste buraco pelo ramo burguês socialista e radical (que não entende ser excluído da partilha), donde a aliança forçada com os operários para destituir o tirano: “O golpe de Estado amadurecido. Chega de discórdias! Maldito sejam, as querelas!” Com a República, “os fundamentos seculares estão aniquilados!”, porém, para os proletários restam as maçadas, enquanto, os burgueses se encarregam de governar: “Não se conduz assim o carro do Estado. É preciso ter maneiras e arte!” Diante dos pratos vazios, os trabalhadores sabem, muito rapidamente o que os burgueses lhes mostraram: “Vamos vos mostrar a luta de classes!” Os traidores são lançados ao mar, a despeito dos discursos de reconciliação do “menchevique experimentado”: “À água, os chacais! Lembrem-se do mês de Outubro! […] À vós o terror!”.
                E como, avançar, entretanto, sem bússola, num navio em ruína para uma ponte falsificada pela burguesia? Senão, com a esperança! Outrossim, “Aguentar! Aguentar! […] É necessário aguentar, os olhos nos olhos da fome. Senão é o fim!”
                “Ponta de terra à vista, a vagabundagem se desfia na imensidão do Oceano, todos votados ao desespero, até ao aparecimento de um homem vindo de nenhuma parte, o Salvador para os crentes, um impostor religioso para os outros: “Fora, o vadio! Nada de Apóstolos à bordo! A boca dos mendigos não é um moinho à feder o bom Deus!
                Nem Apóstolo, nem Salvador, o desconhecido vem do futuro alumiar o hediondo túnel: “É duro caminhar às cegas e às apalpadelas na noite. É duro fazer tentativa de vida quando estamos sozinho”. Da sua experiência, retêm que “Os ARARAT não existem”, que o céu é doravante proclamado sobre Terra, a “ Terra dos proletários”. O Paraíso se mantém, por conseguinte, “ao alcance do braço, ao alcance da mão”. Todavia, como alcançá-lo? Uma vez, o Homem do futuro morto, cada um se sente mais forte, transcendido por esta verdade: A felicidade não é uma palavra vazia! (…).
(VI)
                O barco se põe a estalar sob o esforço colectivo. Porém, quantos impasses, recuos, para se encontrar às portas do Inferno, no antro de Belzebu, o qual faz rir estes náufragos em pranto: “As vossas visões de terror são risíveis. Encontrem outra coisa. Jamais visitastes uma fundição de aço? […] Os horrores da Terra. O vosso Belzebu, ao lado é um belo BUTIOZINHO, com o seu garfo!... Venham dar uma volta na Terra. Diabos conhecem o bloqueio? Agitando uma forquilha ao nariz de um operário, acredites assustá-lo? […] Observem um soldado na lama das trincheiras, ao lado, o mártir é um fedelho!” Deixando os diabos estupefactos, eles se encarregam de destruir o Inferno, se desviam do Purgatório para encalhar perante o comité de acolhimento do Paraíso, onde conversam CRISÓSTOMO, TOLSTOI e ROUSSEAU.
                Entretanto, os impuros recusam serem salvos de não se sabe de que pecado e afirmam, frente à MATUSALEM: “Somos nós, nosso Salvador! Ó nosso Jesus, somos nós”. Decepcionados com o lugar: “Um buraco! Um verdadeiro buraco! Doravante, conscientes de não dever esperar de ninguém a construção suprema, decidem regressar à Terra: “Por onde queda a saída?” Mesmo Jeová vindo, em auxílio, com os seus raios não pode nada: “É preciso arrancar-lhe os seus raios! Trata-se de uma guerra leal. Trovão! Isto servirá, pelo menos para a electrificação”.

(VII)
                Foi, deste modo, enfim, que o Paraíso foi demolido, que o grupo se reencontrou no meio de um campo de ruínas, crentes jamais poder ver o fim do caminho, antes de compreender que a Terra prometida apenas pela força lhes será dada: “Que fazer? Que fazer? É necessário desbravar”. Na verdade, efectivamente, concluídas as discussões sobre o dogma e a organização: “Basta de palavras estéreis! Basta de editoriais! Ao trabalho! Avante! Parem esta torrente inútil de palavras esparsas a todo vento! Às pás! Às picaretas!” Um trabalho sobre-humano devia ser iniciado para enfrentar à “ruína”, a despeito dos seus gritos: “Para trás! Ter-vos-ei pela fome, estrangular-vos-ei! Socorro, minhas tropas dedicadas: ó da guarda acudam, remendões, candongueiros, traficantes”.
                Uma vez, reanimadas as fábricas e a terra, uma vez, o petróleo jorrando do solo, uma vez, o carvão extraído, a ruína se viu, rapidamente amordaçar sob as pancadas e ruídos do labor e do vigor dos operários: “Ouço cantar, apitar os comboios e arfar as fábricas […]. Desta vez, acredito que somos os mestres, acredito que estamos a bordo e à porta do verdadeiro Paraíso”.

(VIII)
                Desde a entrada, neste lugar das maravilhas: se encontram IVANOVO, Moscovo e, porque não, Marselha ou Manchester! Uma coisa é certa. Estão, enfim sobre a Terra. “O circuito fechou”; por toda a parte a abundância: “Ele flutua no ar como um odor de pesca” Tudo brilha, tudo corre, tudo rola”, é impossível relatar! Os edifícios de cem andares cobrem a Terra em todos os sentidos e as pontes dançam o seu bailado debaixo das nuvens. Ao pé das casas, montanhas de víveres e montões de coisas. Filas de comboios, filas de luz fogem sobre as pontes”.
                Graças a electricidade, a Terra cintila, sendo o todo, o resultado do esforço investido, do total domínio do Homem sobre a Técnica: “Vejo um tractor eléctrico! Uma debulhadora eléctrica! Um segundo mais tarde, o pão está presente, já preparado, já cozido”. A abundância em açúcar e em farinha se abriu a todos com a tomada no local do trabalho: “Ninguém nos armazena, tomem por quintais, se o coração assim vos dita”. Outrora, esclavagista, as coisas, as fábricas e as máquinas se entregaram, se tornaram dóceis: “Operários, perdão! […]. Tomem o que é vosso, tomai! Vindes! As ferramentas do labor, o vinho, o trigo, venham! Tomem! Venha, vencedor!”
                Basta de patrões, já “não pertencemos à ninguém”. Por toda a parte, a beleza e a alegria, a consagração da Arte, da festa e da ópera. E, se o passado aspira, um dia em querer altear e crescer, estarão todos mobilizados, e “se um patrão assoma, exterminá-lo-emos”. O jugo da escravatura foi aniquilado: “Dancem na alegria, operários. Forjamos a Comuna, que venham, unicamente nos desafiar!”

                                                E, à guisa de Remate assertivo:
                                Com efeito (só por si), este texto exprime o estado de exaltação revolucionária de personagens à procura de provas tangíveis da investida para a edificação de uma Sociedade, quão, vivamente desejada, mesmo nas piores provações da guerra civil. Este compromisso remete para o desejo extremo de ultrapassar o presente, vivificando a paixão e a imaginação, este húmus propício à germinação de uma multidão de paisagens do Anseio Humano.

                                                Nota Final importante:
                                Esta Peça Ensaística foi concebida, pensando nos “Intelectuais Cabo-verdianos de elevado coturno”, a quem ela é dedicada, por motivos e razões óbvias. Avante!
                                                Um robusto abraço,

Lisboa, 29 Setembro 2010
KWAME KONDÉ

(Intelectual/Internacionalista --- Cidadão do Mundo).