segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Peça Ensaística Quadragésima Terceira, no âmbito de

Na Peugada de NOVOS RUMOS:


Ser culto es el único modo de ser libre
José MARTÍ (1853-1895)

Et pour cause, uma Reflexão consentânea,
Se impõe, visando a passagem do multicultural
Conflituoso à Regulação Inter-cultural, evidentemente!

TEMA:
Algumas ideais acerca de uma
Pedagogia da Comunicação Inter-cultural:


(1)             Se a Alteridade e a Identidade estão, indissolúvel e dialecticamente vinculadas, numa idêntica dinâmica, toda a démarche pedagógica, visando a redução dos obstáculos à compreensão inter-cultural deve evitar a cilada, que consiste em tentar definir ou descrever as “identidades” em presença. Não é unicamente porque já uma tal tentativa, num plano científico, seria um autêntico repto, evidentemente. Sim, efectivamente, uma tal démarche corre, sobretudo o risco de se encerrar nas redes de uma conexão imaginária (o que não significa, por essa razão, que ele não releva de uma certa “realidade”), em que o elóquio sobre a alteridade é esperado como escoramento de uma identidade que necessitou se confrontar com um Outro mais modelado que ele é, ela mesma, incerta e vacilante. O risco do discurso sobre o Outro é o de produzir do “diferente” para afirmar do “idêntico”…
(2)             É neste ponto, que se pode observar os efeitos perversos de um determinado discurso anti-racista ou multicultural que, sem preocupação de valorizar ou defender as “diferenças étnicas” (ou seja: pelo que respeita a identidade postulada dos outros) é, frequentemente levado a os reificar, senão a os fetichizar.
(3)             Menosprezando o processo de determinação recíproca entre a identidade dos uns e a alteridade dos outros, um tal discurso possui, amiúde um efeito contrário ao que era procurado: Uma crispação identificadora acrescida entre os dos quais se espera mais tolerância e de abertura ao Outro. Demais, para dizer a verdade, o discurso anti-racista seduz, na mesma lógica que a do racismo, (a lógica do essencialismo), que leva a naturalizar os fenómenos sociais ou culturais.
(4)             Eis porque, outrossim, uma Pedagogia da Comunicação Inter-cultural não pode (e, nem deve, aliás) se reduzir a um mero cotejo das culturas em contacto, por conseguinte, das incompreensões diversas susceptíveis de ser provocadas por certas variáveis culturais em presença. Ela deve, antes de tudo, se envidar a analisar os processos de construção identificadora, ou o que vai dar ao mesmo, de produção das diferenças.
(5)             Com efeito, como se observa assiduamente, a entidade “cabo-verdianos” ou “os imigrados” só afirma de uma entidade “Nós, os portugueses”. É bem esta homogeneidade que se deve estudar e demolir, obviamente, escudando nos vários trabalhos de Psicologia Social, que o tem demonstrado (à exaustão). Ou seja: A acentuação das semelhanças intra-categoriais acompanha a diferenciação inter-categorial e alimenta a discriminação entre grupos.
(6)             Evidentemente, ao invés, a atenuação da homogeneização dos membros de um grupo se torna menos fluente a diferenciação entre grupos. Por conseguinte, se tornando menos homogénea a percepção de um grupo, a discriminação a seu respeito, se torna mais difícil. Um tal trabalho de desconstrução leva a fazer emergir toda a diversidade e todas as contradições que sub assumem as representações identificadoras. Visa à transferir as diferenças, a maior parte do tempo colocadas como fronteiras rígidas entre grupos constituídos (“os portugueses”, por um lado, os “imigrantes”, do outro, por exemplo), para as tornar fluidas, contingentes, transversais aos grupos a que dizem respeito.
(7)             Deste modo e, no âmbito de uma tal démarche que mobiliza, simultaneamente a História, a Psicologia social e a Antropologia, a Cultura já não deve ser apreendida como produto, sim, efectivamente, como processo (obviamente). Eis porque, ipso facto, neste caso, o objectivo pedagógico é menos de definir as culturas em presença (o que, aliás, em todo estado de causa, só pode conduzir à formação de novos estereótipos), que, por seu turno, pode levar à uma melhor compreensão dos processos de elaboração e de transformação das identidades culturais.
(8)             De feito et pour cause, do registo das “essências” ou das “identidades” o acento, se movimenta, deste modo, sobre os mecanismos e processos identificadores, o que coage a se desfazer dos postulados de homogeneidade, de coerência ou de imobilidade, que afectam ainda, demasiado frequentemente, as noções de “identidade”, de “cultura” como, outrossim de “diferença”.
(9)             De sublinhar, com ênfase, que uma Pedagogia da Comunicação Inter-cultural deve, identicamente considerar que as “relações inter-culturais” (sob pena, salvo de sucumbir às abstracções assépticas) recobrem situações concretas de contacto entre grupos ou indivíduos concretos, num contesto histórico-social determinado. Eis porque, a comunicação que se engendra, no âmbito destas situações precisas obedece, identicamente ao contexto da situação e à dinâmica da interacção gerada como aos caracteres das partes em presença (“as culturas” dos interlocutores, por exemplo).
(10)          Donde e daí, baseando-se, nos ensinamentos, oriundos da sócio-linguística, fruto de investigações idóneas (sublinhados, avisadamente) e, outrossim da Etnografia da Comunicação, se afigura, quão necessário estar, neste caso, em concreto, atento à complexidade das práticas culturais e da Linguagem dos indivíduos que afinam estrategicamente os seus códigos e as suas condutas em função das situações e das intenções de Comunicação, o que, de algum modo (por assim dizer) se assume, assaz revelador de uma determinada “poli Identidade”.
(11)          Trata-se, neste sentido, se desembaraçar do postulado da unicidade da Língua e da Cultura (o que equivale “pensar a variação como um fenómeno central da Língua e da Cultura, universal, no plano individual como, no plano colectivo”). Uma tal perspectiva permite, então avaliar toda a criatividade, todas as capacidades de adaptação das quais revelam os imigrantes, que se traduzem por toda uma gama de tácticas e modos de reutilizar para fins próximos da ordem imposta. Todavia, a adaptação não pode ser, simplesmente percebida como uma mera concatenação de condutas passivas, num quadro de constrangimentos, facto que sugere, aliás, a noção “de assimilação”. Identicamente, as tentativas ou mudanças que ela provoca não podem ser, simplesmente consideradas como alienação ou degradação de uma “Cultura original”, demasiado frequentemente, condensada em sistema coerente e estável.
(12)          Atentemos, de modo adequado, no conteúdo de verdade desta lúcida orientação da lavra de MICHEL de CERTEAU (1925-1986), um jesuíta e erudito francês (que harmonizou nas suas obras, psicologia, filosofia e Ciências sociais). Seja: “Tout groupe vit de compromis qu’il invente et de contradictions qu’il gère (jusqu’à des seuils au-delà desquels il ne peut plus les assumer). C’est déjà le tenir pour mort que l’identifier à un tout homogène et stable ».

E, em jeito de REMATE :
--Esta mobilidade e estas capacidades de adaptação dos Imigrantes para inflectir (mudando de curso) as visões dominantes, frequentemente negativas ou miserabilistas da Imigração, merecem, ser relevadas, de modo consentâneo, visto que os Imigrantes desempenham, neste sentido, um papel de verdadeiros percursores. Com efeito, o encontro/reencontro inter-cultural se desenrola, presentemente, no âmbito de uma Sociedade heterogénea, múltipla, compósita e assumidamente, num contexto “de hibridação generalizada” gerada (e formada), designadamente por uma Tecnologia comercial, industrial ou mediática.
--Finalmente, de sublinhar, que a mundialização da economia, as modificações rápidas do nosso ambiente, as mudanças tecnológicas e o desenvolvimento da “Sociedade mediática” vão exigir de cada um de entre nós, capacidades acrescidas de mobilidade e de adaptabilidade. Identicamente, na “Sociedade Mundo” do Porvir, as misturas das populações (outrossim, aliás, de mercadorias e homens como valores e sinais culturais) só podem acelerar e se desenvolver mais.
-- Enfim e, em suma: De feito, no âmbito de uma tal perspectiva, a aprendizagem das conexões inter-culturais não obedece unicamente à preocupação de uma “gestão” menos conflituosa das relações entre portugueses e imigrantes (concretamente). Eis porque, antes de tudo, a aprendizagem de uma sociabilidade, se torna (mais que nunca), quão conveniente e, assaz necessária para o desenvolvimento de uma Sociedade plural.

Lisboa, 04 Setembro 2010
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista --- Cidadão do Mundo).