terça-feira, 27 de julho de 2010

Peça Ensaística Vigésima Terceira, no âmbito de

Na Peugada de NOVOS RUMOS:


Ser culto es el único modo de ser libre
José MARTÍ (1853-1895).

Todos os Homens têm sede. E, eis porque, passam de um poço a outro, num vaguear incessante, acompanhando um desejo inesgotável orientado para os múltiplos bens do corpo e do espírito.

                                    Definições oportunas:

Toxicomania: Impulso mórbido que possuem determinadas pessoas de absorver substâncias que proporcionam sensações agradáveis ou que acalmam a dor (ópio, cocaína, éter, etc.).
Toxicomaníaco: Relativo à toxicomania.
Toxicómano: Pessoa dada ao vício de consumo de tóxicos.
Toxicopatia: Designação extensiva a todas as enfermidades provocadas pelo consumo (absorção) de tóxicos.
Toxicose (ou toxinose): Doença provocada pela presença de produtos tóxicos no organismo.
Toxiterapia: Emprego terapêutico de tóxicos.
Toxofobia: Receio obsessivo de envenenamento.
Toxicofobia: Medo excessivo de venenos.


Tóxico: Substância susceptível de provocar efeitos nocivos no organismo.
Toxico: Elemento de composição de palavras com a ideia de tóxico, veneno.
Toxicofagia: Ingestão habitual de pequenas porções de certo veneno para habituar o organismo aos seus efeitos indesejáveis e prevenir assim um eventual envenenamento.
Toxicófago: O que pratica a Toxicofagia.
Toxicografia: Descrição dos tóxicos.
Toxicologia: Tratado ou Ciência que estuda os tóxicos.
Toxicologista (ou Toxicólogo): Aquele que se ocupa da Toxicologia.
Toxémia: Intoxicação do sangue.


Toxicodependência: Estado de dependência para consumo de tóxicos (drogas), narcóticos.
Toxicodependente: Relativo a Toxicodependência ou indivíduo dependente de consumo de drogas.

            A Arte e as drogas (quiçá) têm constituído lenitivo da dor de viver. Eis, com efeito, uma ponderação, tão geral, que aparecerá (quiçá), como um autêntico Truísmo. Com efeito, no caso concreto do uso das drogas, o vocábulo “dor” é a considerar, em primeiro lugar, na acepção (a mais material). De feito, de THOMAS de QUINCEY à ANTONIN ARTAUD, numerosíssimos são os escritores cujo o primeiro contacto com uma droga se ocorreu, por razões estritamente médicas.
            E, já, num plano (que engloba, concomitantemente) o físico e o mental constitui o principal aguilhão da dor de viver. Neste sentido, ninguém asseverou, melhor que BAUDELAIRE: “est l’inexorable tyrannie du temps, et le rêve de tout artiste est d’échapper à cette tyrannie », quer outorgando corpo aos « pressentimentos de imortalidade”, quer se consagrando ou se antecipando o ritmo da duração por uma surpreendente aceleração do seu pensamento. Este sonho, as drogas o concretizam (ou seja: fazem que não seja um sonho), em duas direcções seguintes:
            --- A do “kief”, que conhecem os consumidores de haxixe e os fumadores de ópio;
            --- E a dos estados de consciência rodopiantes, superabundância de sensações, sobreposições de vocábulos e conceitos que HENRI MICAHUX, entre outros, experimenta graças aos alucinogéneos (drogas que provocam alucinações, geralmente visuais, com alterações do comportamento e da personalidade).

*****
            Dispersão, fragmentação, possibilidade de se projectar em múltiplos, por um lado e de outro: Sentimento de uma unidade recuperada, de uma invulnerabilidade adquirida, quer pela constituição de um Eu (melhor dito, um Ego) liberto de todo dano exterior. Esta situação, as drogas a prometem e a realizam, numa certa medida em determinadas condições.

            E, já agora, uma pertinente Interrogação merece, ser tida, em consideração. Ou seja: Estas esperanças eram falaciosas? A toxicomania e a forma em que ela, actualmente monopoliza a atenção (por razões e motivos vários, assaz legítimos, aliás) podem a este respeito (sob esta perspectiva, obviamente) servir de repuxo.

            De sublinhar, com ênfase, que os eminentes Estudiosos desta problemática, que se prende com o consumo de drogas, vinculam à fascinação que estas exercem sobre o Toxicómano à posse de um saber que estaria vedado ao comum dos mortais: “porque se o imagina, evoluindo sempre, em alguma experiência limite, até sem limite, tudo se passa como se esperasse, que Deus nos revele, sabe quê, dizendo respeito à nossa condição de homens ou de indivíduos e que, simultaneamente, nem ele nem nós: nada queremos saber”.
            Com efeito, este dano (se for verdadeiro que existe ainda), só pode ser, como algo não realizado e concretizado, na medida em que o toxicómano, tendo atingido um certo grau de adição, procura e encontra, aliás, na sua droga de quê colmatar o vazio que abre nos poetas (e no poeta que existe em cada um de nós), o espaço do sonho e do desejo de outra coisa que o real: “Para além dos “períodos psicadélicos”, ou de outras manifestações iniciáticas, escreve avisadamente a psicanalista francesa (Professora de Psicopatologia na Universidade Paris VII), a docente universitária, Sylvie Le POULICHET: a “experiência confronta ordinariamente a práticas e à elóquios cujo o sonho se ausentou para realizar a implantação de uma prótese. Elas se apresentam entre outras, como próteses químicas contra o terror, a dor ou o vazio”.

                        Donde, enfim e, em suma:
(1)         É, sem dúvida, nesta imediação da fruição ou da supressão da dor, que reside o grande escolho das drogas para quem deseja e quer se assumir Criador. É, aliás, em suma, o que asseverava já BAUDELAIRE, na sua linguagem teológico moral, quando recusava “invoquer la pharmacie et la sorcellerie” para ganhar o Céu.
(2)         De feito, não se pode ter o Paraíso, concomitantemente ao alcance da mão e à distância da palavra…Todavia, não é fatal que a “prótese” que fornecem as drogas vale para todos os usos que se pode ofertar esta outra prótese, de outro modo, hábil e sagaz, que é um corpo de escrita.
(3)         Finalmente, em jeito de Remate: Se o ideal do Artista clássico foi “rentrer en soi-même” para aí encontrar Deus, ou a Imagem eterna do Belo, o Artista moderno, sonhou, amiúde efectuar um percurso, no exterior do seu próprio Corpo, para ver a velocidade que possuem as coisas à partir deste observatório e que as drogas ajudaram, frequentemente a ter êxito nisso. Entretanto, não há dúvida nenhuma, que se afigura necessário, outrossim e ainda, “retourner chez soi”, evidentemente!...

Lisboa, 26 Julho 2010
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista --- Cidadão do Mundo).