Na Peugada de NOVOS RUMOS:
“Ser culto es el único modo de ser libre”
José MARTÍ (1853-1895).
E, antes de mais, como breve Intróito, algumas marcas, quão instrutivas e, assaz eloquentes:
(1) A liberdade arbitrária ou que procura apenas uma satisfação fácil, não faz crescer, não se dirige para parte nenhuma, apenas se agita. O prazer não é um valor em si mesmo, nem um critério legitimador de uma acção. É, unicamente consequência de um objectivo alcançado, sendo reputado Bom ou mau, consoante a moralidade do próprio objectivo.
(2) Uma escolha só é racional quando contribui para a realização definitiva da Pessoa. Demais, desde sempre, andamos à procura de uma plenitude para a nossa Vida e existência respectiva. Sim, efectivamente, só poderemos realizar-nos verdadeiramente, se respeitarmos a ordem objectiva dos Seres, permanecendo sempre orientados para o Bem Infinito. Enfim e, em suma: A nossa Busca (quão incessante) é, afinal de contas: Um Apelo ao Bem Absoluto, que nos atrai e nos chama para Si. No fundo, no fundo, trata-se de um Chamamento especial, Origem e Desígnio da Vida e da Existência do Homem.
(I) Com efeito, na verdade, se nas suas origens inglesas, um “Super-naturalismo” tributário da Filosofia Romântica Germânica é facilmente reconhecível, por seu turno, em França se interessou, antes de tudo (e, em primeiro lugar) pelas renovações que a experiência dos “paraísos artificiais”trazia, no âmbito da esfera do fantástico, então, em plena expansão. Todavia, a Estética não era única que estava em causa: As conexões estreitas do principal propagandista do haxixe, o Doutor, MOREAU de Tours (de verdadeiro nome, Jacques (-Joseph) MOREAU de TOURS (1804-1884), (considerado como o fundador da psicofarmacologia pelo conceituado Professor Henri Marc BARUK (1897-1999)], com os meios Literários e Artísticos contribuíram para estabelecer pontes entre as “vies secondes” cuja a Literatura cultivava a Imagem e as Pesquisas dos médicos sobre a alucinação, as alterações da Personalidade ou as aberrações perceptivas resultantes da acção directa de substâncias químicas sobre o Sistema Nervoso.
(II) Eis porque, a célebre exclamação do escritor francês, Honoré de BALZAC (1799-1850):”Quel opera qu’une cervelle d’homme”inserta, pela primeira vez, num texto datado de 1830, onde descreve (se inspirando nos lúcidos ensinamentos do jornalista, crítico e escritor britânico, Thomas de QUINCEY, 1785-1859), dizíamos, as visões que assaltam dois opiómanos, resumindo, de um modo surpreendente, a convicção de estar em presença de um território, cuja a descodificação reserva aos artistas extraordinárias descobertas (assaz maravilhosas aos olhos de BAUDELAIRE, por exemplo), para não incitar a reflectir no preço (do qual elas pagam) e às esperanças que as drogas exaltam e iludem, simultaneamente.
(III) Antes de mais, se afigura pertinente e oportuno, consignar (de molde pedagógico), que estas esperanças se desenvolveram em dois (2) planos, que se recortam, frequentemente, adquirem, todavia, mais ou menos, relevância um em relação ao outro, consoante os períodos. E, explicitando, apropriadamente, temos então:
a. O Primeiro plano é o que poderia se denominar de cognitivo. Aliás, BAUDELAIRE ele mesmo, a despeito da sua repugnância para substâncias que não dão a ilusão de poder criar sem trabalho, conduz o seu Poema Le Voyage, alistando-se no elenco dos cujo o último recurso é mergulhar “no fundo do desconhecido para encontrar o novo”. Esta aspiração, visando alargar a experiência humana para além dos limites que lhe impõem a realidade e o exercício do pensamento racional, o Romantismo na sua totalidade, tentou a satisfazer pela imaginação e o sonho. Todavia, as drogas permitiam inscrever no real o que parecia só relevar de uma actividade projectiva.
b. De feito, qualquer que seja o papel que elas tenham desempenhado, efectivamente no âmbito do projecto de RIMBEAU de “changer la vie”, a “Opéra fabuleux” evocada na sua obra: Une saison en enfer lhes deve, evidentemente algo e fez eco, quarenta anos mais tarde, no que pressentia BALZAC.
(IV) No entanto, à Curiosidade artística, incitando à procura do novo, a todo custo, com tanto mais de violência que o mundo cultural parece sofrer de saciedade e de usura, sobrepor-se-á, após a Primeira Guerra Mundial, uma curiosidade especulativa, oriunda do desejo de completar, do lado das terrae incógnitae, a cartografia do espírito Humano.
(V) Todavia, já com motivações diversas: Walter BENJAMIM (1892-1940), Aldous HUXLEY (1894-1963), Carl Gustav JÜNGEN (1875-1964), Henri MICHAUX (1899-1984), se envidaram menos, em alargar o âmbito e domínio da Arte, que em surpreender mecanismos do pensamento, tendo escapado às investigações dos psicólogos profissionais ou dos médicos preocupados, antes de tudo, pela terapêutica.
(VI) Entretanto, o projecto de “changer la vie”, para si, como para os outros, não podia ir sem uma transgressão que se situasse, ela, num plano existencial.
(VII) De anotar, finalmente, com ênfase, que vários factores intervieram para acentuar o carácter transgressivo do uso das drogas, designadamente:
a. A descoberta de substâncias novas, como a morfina ou a cocaína susceptíveis de provocar uma dependência grave e rápida, acarretando a prazo, uma proibição, mais ou menos, severa da parte dos poderes Públicos.
b. A valorização, nos meios artísticos de uma marginalidade, que o recurso aos tóxicos só podia acentuar e que ia a par da reivindicação do decadentismo em que estes mesmos meios eram acusados.
c. A reacção hedonista de gerações traumatizadas pela Guerra, cujo o limiar de tolerância ao sofrimento e ao tédio se atenuava (ou, pelo contrário, todavia, é, amiúde, pelo que diz respeito, a mesma coisa), a fascinação do nada, de uma “morte na vida”, permitindo ao Ser Humano refazer, em sentido inverso, o percurso da Existência.
Lisboa, 24 Julho 2010
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista --- Cidadão do Mundo).