sexta-feira, 23 de julho de 2010

Peça ensaística Vigésima Primeira, no âmbito de

Na Peugada de NOVOS RUMOS:


Ser culto es el único modo de ser libre
José MARTÍ (1853-1895).


La drogue est indissociable nom seulement des problèmes d’une époque, mais encore de ses mythes, de ses comportements, de son imaginaire, finalement ». Jean FATELA, In « Des pratiques transitoires. De la médicalisation à l’éducation », 1980.


                        Nota Prévia :
                        Se a Toxicomania constitui, presentemente (nos nossos dias de hoje), um Flagelo Social do qual se preocupam, com toda razão, os meios médicos e os poderes públicos, no entanto, o recurso às drogas foi, desde o início do século XIX, um fenómeno cultural, que exerceu uma influência, considerável e, muito relevante, no imaginário dos artistas e do seu público respectivo.
                        Com efeito, investigações, feitas, em bases sólidas e robustas, trouxe luz acerca desta problemática, elucidando-a, adequadamente (se apoiando, de modo, dialecticamente assertivo, em textos idóneos), da forma seguinte:
(1)      Que não é o “tóxico” (em si mesmo), que foi, durante bastante tempo, o elemento determinante, porém a procura de uma mudança de estado, que revestiu, consoante a “droga” (o ópio, o haxixe, a “fada morfina”, a cocaína, a mescalina) e conforme os consumidores, das formas dissemelhantes, romper, deste modo, com os entraves do tempo e do espaço, alargar a experiência humana para além dos limites do pensamento racional, recuperar uma unidade perdida, aceder à fruição ignorada (os “paraísos artificiais”), etc.
(2)      Por outro, conquanto o alcance e o impacto do fenómeno, ultrapassa, de longe, os limites da Literatura, são os escritores, os artistas e os intelectuais, que permitem, melhor possível, o discernir ao vivo,
(3)      Uma outra fonte de Estudo, neste âmbito, por razões óbvias, são os “romances de costumes”, que permitem precisar a imagem do “drogado” ou da “morfinizada”, nos meios, os mais diversos.
(4)      Finalmente, uma reflexão quão pertinente, se impõe, sobre o “uso da droga”, reflexão essa que, presentemente, se reveste de uma real e objectiva importância. Ou seja: Estamos, aliás perante uma “prótese”suplente ao vazio da existência humana, mais que uma abertura sobre o incógnito, obviamente.

Enfim e, em suma, quiçá, em jeito de Remate breve (porém, dialecticamente pertinente): Conquanto, a “droga” esteja bastante banalizada e, outrossim medicalizada, todavia, já não se assume, de molde apropriada e adequada, como uma dinâmica susceptível, naturalmente de engendrar Poetas e Criadores, como outrora.

(A)    O Imaginário das drogas possui um futuro? Todavia e, sem embargo, se a questão se coloca, cada vez mais e mais, é porque este imaginário se modificou, de tal modo, na nossa época, que a sua criatividade, no âmbito e domínio literário e pictórico se tornou, assaz problemática. Com efeito, se as drogas alimentam ainda, fortemente o imaginário da nossa época (e se nutrem nisso, outrossim, na medida, em que elas permitem ler no vazio, as suas matizes e as suas disfunções), já não é, na sua conexão à criação artística que o elo/vínculo se situa por enquanto. Sim, efectivamente, de um modo muito mais universal dos fantasmas sociais que elas engendram e em que a Literatura ou o Cinema podem, eventualmente trazer o eco respectivo.
(B)     Profetizar em matéria histórica constitui sempre uma operação arriscada, sobretudo quando ela leva a decretar um “fim da História”. Entretanto, o menos que se possa dizer é que a activação da criatividade poética pelo uso de drogas, já não está, na ordem do dia.
(C)     Com efeito, existe sempre uma determinada época et pour cause, com as suas formas respectivas, obviamente. Tudo isto nos conduz, ipso facto, concomitantemente ao cerne das contingências culturais, neste caso, em concreto, da diversificação dos meios oferecidos pela farmacopeia, da evolução do pensamento médico relativo às drogas e a sua acção e das afinidades entre as modificações psíquicas trazidas por estas e as aspirações, mais ou menos, conscientes dos artistas do tempo.
(D)    Não é, por acaso, aliás, que o filosofo francês, Jacques DERRIDA (1930-2004), no longínquo ano de 1989, respondendo a um inquérito da revista Autrement, emitia a hipótese de uma “toxicomania europeia”, que teria feito a sua entrada em cena, no momento em que a extinção do fantôme extenué” de uma inspiração sobrenatural, teria exigido dos Poetas o recurso a um “contre-fantôme”, lhes permitindo se reclamar outra coisa que a sua própria arbitrariedade. Sem dúvida, com efeito, uma certa “decepção” (leia-se, outrossim, perda do encanto) do mundo poético entre, por uma parte, em voga, que conheceram os estupefacientes desde o início do século XIX.

Lisboa, 23 Julho 2010
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista --- Cidadão do Mundo).