domingo, 18 de julho de 2010

Peça ensaística Décima Oitava, no âmbito de

Na Peugada de NOVOS RUMOS:   


Ser culto es el único modo de ser libre
José MARTÍ (1853-1895).


Quem não tem tempo para outrem não é
Digno, por conseguinte, de consideração

(A)      A imagem do Negro preguiçoso é amplamente espalhada. Se quedamos nos clichés, veiculados, por vezes, pelos próprios interessados, os Negros Africanos passam o seu tempo todo a palavrear, a cantar e a dançar, na maior indiferença. Eis nos, bem, uma vez mais ainda, ante uma crassa ilustração do desconhecimento da sua filosofia de vida. Visto que, o indivíduo só existe, realmente ao serviço da Comunidade, tudo quanto diz respeito ao outro, no seio da Comunidade, o diz respeito, identicamente. Com efeito, ele participa, em todos os casamentos, baptismos e funerais. Que espectáculo, assaz revelador, que estas mulheres correndo quase para não chegar atrasada à uma cerimónia! Pelo contrário, não se chega aí, jamais bastante antecipadamente! Demais, ninguém pretende, sobretudo ser colocado no índex…
(B)       Na África Negra, o critério fundamental não é, nem a riqueza, nem o talento, sim, efectivamente, em primeiro lugar e, antes de tudo, a Sociabilidade. Que se seja rico ou pobre, a dignidade consiste em partilhar com o outro (em dar, como se recebeu e receberá todo ao longo da vida). Sim, efectivamente (reiterando, com ênfase): Quem não tem tempo para outrem, por conseguinte, não merece consideração!...
(C)       Seguramente, eles cantam e dançam muito os Negros, porém, se afigura pertinente lembrar que o tantã jamais retumba gratuitamente, pois que acompanha sempre um evento da vida comunitária, triste ou alegre. Deste modo, evidentemente, o canto e a dança se tornam parte integrante da vida e da existência dos cidadãos. Naturalmente, o tempo, não sendo extensível, alguns aspectos do quotidiano sofrem com este comunitarismo, designadamente o próprio trabalho. Enfim e, em suma: Ninguém irá trabalhar, nem continuará a fazê-lo, se o seu vizinho ou um seu parente (mesmo, muito afastado), baptiza o seu filho, se casa o seu “rebento”, ou falece. Com efeito, quanto mais vasto for a comunidade, tanto mais o indivíduo parece, por conseguinte, constrangido, em virtude do pacto, a viver numa espécie de improvisação permanente.
(D)      Evidentemente, sem sombra de dúvida, para o estrangeiro, aos olhos de quem o trabalho tem tendência a se tornar um fim em si, um tal mundo é exactamente incompreensível. Donde: E cedo se fez assimilar a atitude do Negro Africano à da preguiça. Ora, salvo em caso de conflito armado ou de calamidade natural extrema, os Negros Africanos não morrem de fome. Isto significa, que trabalham para se nutrir e não como meros escravos do trabalho. Contrariamente, às ideias recebidas, os vagabundos e os mendigos que morrem por inanição, não são legião em África Negra.


E, finalmente em jeito de Remate, se nos afigura pertinente, trazer à colação, algumas ideias bases:
(1) Se tudo for em honra de uma comunidade, no desígnio de se preocupar a este ponto com outrem, isto apresenta, a despeito de tudo, só vantagens.
(2) A questão, que se prende com as conexões entre o indivíduo e a comunidade deveu ter sido colocada, desde os primórdios da Humanidade. Com efeito, entregue à si próprio, o indivíduo (o Ser humano) é, efectivamente, débil e frágil. Donde, por conseguinte, não teve outra escolha que ceder uma parte da sua liberdade contra a protecção e apoio do grupo, cuja a autoridade está incarnada no chefe. Porém, de anotar, que as nossas sociedades actuais funcionam, de outro modo? Hèlas!...
(3) Se a Solidariedade nasceu no Continente Africano, na medida em que este é considerado como o Berço da Humanidade, ela (a Solidariedade, obviamente), não é uma invenção dos Negros Africanos. Ela assumiu, aliás, formas variadas ao longo dos séculos e, consoante, os elos, em que se estabeleceram os grupos humanos. Porém, o que é facto, presentemente (nos dias de hoje), não se consegue sobreviver fora deste Pacto primordial entre o indivíduo e a Comunidade.

             Finalmente e, de modo, dialecticamente assertivo: Na verdade, em vez de se surpreender com a Solidariedade Negra Africana, convém indagar como Ela se apresenta ou pretende se apresentar, presentemente (nos nossos dias que corre, sob o signo da incerteza), após a escravatura e a colonização, na era da mundialização.

Lisboa, 17 Julho 2010
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista --- Cidadão do Mundo).