terça-feira, 13 de abril de 2010

ELOCUBRAÇÃO QUADRAGÉSIMA SÉTIMA:

Ser culto es el único modo de ser libre

José MARTÍ (1853-1895).


(1) Existe, presentemente (nos nossos dias de hoje) uma forte propensão em querer transferir a “miséria humana”, apenas para o sistema de cuidados, solicitando-lhe a gestão dos moribundos, dos excluídos, dos pobres ou dos deficientes. Eis porque, está fora de questão, outrossim rejeitar este género de pacientes, particularmente expostos, sob o pretexto de se enquadrar, no âmbito de uma Medicina não rentável. Todavia, existe uma verdadeira perversão do “economicismo” que tende a considerar que a assistência e a solidariedade social relevam da patologia. Porém, não há dúvida nenhuma, que a Medicina está destinada prevenir, tratar ou em enfraquecer as enfermidades. Com efeito, ela (obviamente, a Medicina) não pode (e nem deve) ser destinada para fazer a felicidade das pessoas e reparar as injustiças sociais. Em outros termos, os hospitais, que já fazem muito, não existem para solucionar os problemas sociais dos idosos. Compete aos responsáveis políticos, às colectividades territoriais, ou simplesmente aos cidadãos em relação aos seus familiares se ocupar deles. Enfim, se engana sobremaneira, carregando sobre o Sistema de cuidados tudo quanto não figura, no âmbito das competências da Organização Social ou Familiar.

(2) No decurso do século XX pretérito, a esperança de vida das mulheres e dos homens aumentou, aproximadamente de trinta anos. Todos os anos, se ganha, em média, cerca de três a quatro meses. Este constante aumento da esperança de vida acarretou uma mutação considerável, ou seja:

a. Por um lado: se empurrou para idades mais avançados os problemas de fim de vida;

b. Por outro: entre cinquenta (50) ou sessenta (60) anos e setenta e cinco (75) anos, viu-se aparecer patologias directamente devidas ao Envelhecimento, que, porém, se podem tratar, oferecendo um fim de vida (com qualidade, necessariamente positiva), antes de entrar na velhice (leia-se, outrossim, idade avançada).


(3) Tudo isto, tem conduzido, infelizmente, a uma medicalização crescente da velhice, sendo esta situação nosológica devida, em grande parte, ao facto que à partir dos Cinquenta (50) anos, se incita as pessoas a efectuar todas as espécies de controlos, testes ou análises, os famigerados check-up, o que, não deixa de ser, bastante positivo, porquanto responsabiliza cada um (de per si e, em si). Todavia, na prática, este comportamento significa que as pessoas não tendo, até então, nenhum problema de Saúde relevante entram no Sistema para criar um pedido crescente de cuidados. Donde e daí, a pouco e pouco, acabem por solicitar bastante à Medicina. Estamos então, perante derivas (leia-se, outrossim, desvios de rumo), na medida em que o médico não deveria constituir o derradeiro que queda no processo, quando todos os demais outros, no âmbito da Sociedade civil debandaram.

(4) Uma vez, bem estabelecimento este preâmbulo assaz relevante, se pode, a despeito de tudo, asseverar que a esperança de vida acarreta um dado médico novo vinculado ao envelhecimento da população.

(5) E, explicitando adequadamente, temos então:

a. Vejamos, em primeiro lugar, a questão fundamental que se prende com a idade propriamente dita. Trata-se, sem dúvida, de um puro e verdadeiro dado quantitativo. Ou seja:

i. Os resultados da Medicina devem-se exprimir unicamente em anos de vida?

ii. É um objectivo médico mensurável e suficiente?

iii. Não se deve, outrossim, introduzir a qualidade de vida como uma outra dimensão?

Deste modo, eis nos ante questões cruciais para a orientação futura do Sistema de cuidados. De feito, este aspecto qualitativo dos resultados médicos permanece muito mal apreendido e validado. Existe, outrossim, o risco de resvalar para um sistema (um tanto ou quanto, ao que se denomina, sistema à inglesa), em que se privilegia, o critério de idade. Ou seja: à partir de sessenta e cinco, setenta ou setenta e cinco anos, se decide já não realizar tal ou tal tipo de intervenção, por exemplo, uma diálise renal (salvo, se o paciente, paga, sem ser reembolsado).


(6) Para ser concreto, uma diálise custa muito, muito mesmo. Trata-se de um valor, assaz elevado, que entre outros, permite medir os constrangimentos económicos, ainda mais robustos, para os sistemas de cuidados, doravante confrontados com o envelhecimento da população. De feito, é incontestável que uma parcela crescente das despesas médicas vai ser consagrada ao prolongamento da vida ou, consoante a expressão Medicina de acompanhamento.

(7) Necessário, se afigura, saber que esta Medicina de acompanhamento não representa em si nenhum interesse económico visto que, por definição, não se trata de tratar alguém para o recolocar no trabalho.

(8) Eis porque, face a um adolescente atingido de um cancro, todo médico envolvido acelera porque ele aposta na esperança, na vida, outrossim, porém, porque o tratamento administrado será pago como compensação pelo capital trabalho. Em contrapartida, face a um paciente de oitenta anos (reconhecemo-lo, com toda a honestidade) que o combate não é idêntico. Neste caso, em concreto, pensa-se, em primeiro lugar, na qualidade do fim de vida do paciente.

(9) Destarte, se construíssemos uma Sociedade entregue aos imperativos, os mais duros da economia, ir-se-ia até a estimar que não é preciso reanimar este paciente de oitenta anos, pois que existe um interesse financeiro à que morra, o mais célere possível. Trata-se de um modo de proceder que pessoalmente, somos frontalmente contra, por motivos e razões óbvios.

(10) Enfim e, em suma: É indispensável, para os anos vindouros, melhor reflectir na Economia da Saúde (sendo, economia entendida, neste caso, em concreto, como sinónimo de gestão dos recursos, dos valores e dos bens). De feito, é nesta óptica que é necessário insistir na noção de qualidade de vida. De sublinhar, finalmente, que as ciências humanas e sociais estão sobremaneira ausentes do domínio da Saúde, conquanto exista uma necessidade, assaz gritante.


Lisboa, 12 Abril 2010

KWAME KONDÉ

(Intelectual/internacionalista --- Cidadão do Mundo)

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