“Ser culto es el único modo de ser libre”
José MARTÍ (1853-1895)
José MARTÍ (1853-1895)
Não há dúvida nenhuma, que o vocábulo “civilização” se enquadra no elenco de lexema que se opõe a conceitos preexistentes. Donde, de uma forma, um tanto ou quanto, simplista, para que exista a “civilização” devem existir identicamente a “barbárie”, a “selvajaria”. De feito, a história do vocábulo “civilização” mostra que, em conformidade com a sua etimologia, este termo designou originariamente o que podia separar os povos (os “mais evoluídos”) dos demais “outros”.
Aliás, vendo bem, verificamos, que, efectivamente outros vocábulos, designadamente “civilidade” tinham já remetido para esta oposição entre o homem civilizado (que habita a civitas) e o homem selvagem (que habita a silva). Todavia, este vocábulo perdeu o seu valor positivo quando foi suposto representar uma aparência esvaziada de realidade. A mesma sorte esperava o termo “polidez”, contendo a ideia de luzente, liso, sem aspereza. Tinha suplantado “civilidade”, por volta da metade do século XVIII, para exprimir uma educação excelente, a amabilidade, a honestidade, no entanto, foi percebido, em seguida, como a arte de imitar as virtudes.
De sublinhar, antes de mais, que o que permitiu ao vocábulo “civilização” livrar-se de idêntico destino e percorrer um longo percurso foi, em primeiro lugar, o sufixo em acção. Este, por um lado, permite à assimilação deste vocábulo aos numerosos neologismos (sendo, neologismo: palavra ou expressão tida como de introdução recente em uma determinada língua), facto que lhe assegura uma difusão imediata.
De anotar, por outro, que o sufixo indica uma acção e não uma qualidade adquirida, o que permitiu ao vocábulo “civilização” se identificar com a ideia de uma evolução linear, de um processo transformador.
Não deixa, aliás, de ser curioso, verificar que ideia de progresso, ora enunciada, acima, conheceu gradualmente várias interpretações, por vezes, assaz contraditórias, designadamente:
a) A fé revolucionária (leia-se: Revolução Francesa) atribuiu-lhe uma força inesgotável e um valor sagrado. O Positivismo e o Marxismo, por razões distintas e com resultados dissemelhantes, manifestaram confiança idêntica na marcha incessante do Progresso Humano.
b) Pelo contrário, os adversários da Revolução negaram-lhe toda a acção de melhoria da Sociedade, acusando a civilização de ter destruído os valores tradicionais da religião e da cavalaria.
c) Por seu turno, os da Restauração renovam a sua confiança num incremento indefinido do usufruto, da descoberta e do bem-estar material.
No entanto, a Europa incrementa a sua produção global, se moderniza, se empenha na revolução industrial: entra, deste modo, na era do caminho ferro e do barco à vapor.
Todavia, o custo destas conquistas desemboca no advento de um proletariado industrial cujas as condições de vida são horrendas.
Eis que, então, ante este ingente problema social, pensadores, tais como CONSTANT, SAINT-SIMON, FOURIER já não podem e nem devem se abster de criticar a civilização encarnada no modelo de sociedade da época. Todavia, as suas críticas não atingem aos próprios fundamentos da ideia de civilização.
E, em jeito de Remate pertinente:
Na verdade e, na realidade, as aberrações existentes são interpretadas como incidentes passageiros ao longo de um percurso que atravessa períodos positivos e períodos negativos. E, explicitando, adequadamente:
“Il résulte de ceci que ce n’est point la civilisation qu’il faut proscrire et qu’on ne doit ni ne peut l’arrêter. […] Il faut apprécier l’époque où l’on est, voir ce qui est possible, et en secondant le bien partiel qui peut encore se faire, travailler surtout à jeter les bases d’un bien à venir ». In De la religion, da autoria do escritor francês, Benjamim CONSTANT (1767-1830), editada em Paris (1824-1831).
Aliás, segundo CONSTANT, os pensamentos elevados e nobres, a moral e a religião contribuirão para lançar estas bases enunciadas.
Por sua vez, para o doutrinante socialista francês (outrossim, um observador perspicaz), Charles FOURIER (1772-1837), a questão se prende com uma nova organização do Trabalho que poderá corrigir os danos e prejuízos causados pelo desenvolvimento da Grande Indústria:
“Du reste la civilisation occupe en échelle du mouvement un rôle important, car c’est elle qui a créé les ressorts nécessaires pour s’acheminer à l’association ; elle crée la grande industrie, les hautes sciences et les beaux-arts. On devait faire usage de ces moyens pour s’élever plus haut en échelle sociale, ne pas croupir à perpétuité dans cet abîme de misère et de ridicule nommé civilisation, qui avec ses prouesses industrielles et ses torrents de fausses lumières ne sait pas garantir au peuple du travail et du pain ».In Préface de Le Monde industriel de Ch. FOURIER (1829).
Enfim e, em suma :
Estes propósitos, por mais críticos que sejam, depõem como testemunha de uma época que vê a burguesia se consolidar e se lançar na aventura colonial. A própria ideia de civilização parece, por conseguinte, coincidir com o desenvolvimento, em força, do capitalismo.
E, em complemento oportuno:
Um vocábulo muito próximo da “civilização” é o da “cultura”. Os dois vocábulos pertencem ao mesmo campo semântico, reflectem as mesmas concepções fundamentais. Associados, por vezes, no entanto, não são integralmente equivalentes. De feito, enquanto “civilização” evoca os progressos colectivos, a “cultura”, por seu turno, evoca mais os progressos individuais. Ambos e, por razões idênticas, são conceitos unitários e só se empregam no singular.
Do seu sentido original (recente), “civilização” (o vocábulo aparece apenas, no século XVIII), que designa a afinação de costumes, se emancipou rapidamente, com os filósofos reformistas e passa a significar para eles o processo que arranca a Humanidade da ignorância e da irracionalidade. Preconizando esta nova acepção de “civilização”, os pensadores burgueses reformadores, que não se encontram desprovidos de influência política, impõem a sua concepção do governo da sociedade que consoante eles, deve-se apoiar na razão e nos conhecimentos.
Deste modo, a civilização é, por conseguinte, definida como um “processus d’amélioration des instituitions, de la législation, de l’éducation”. Ou seja e, de modo mais consequente: A civilização é um movimento que “est loin d’être achevé”, que é necessário manter e apoiar e que afecta a sociedade, no seu todo, principiando pelo Estado, que deve se libertar de tudo quanto for ainda insensato no seu funcionamento. E, rematando avisadamente, a civilização pode e deve se estender a todos os Povos componentes da Humanidade.
Finalmente, o uso e utilização respectiva da “cultura” e de “civilização”, no século XVIII, marca, por conseguinte, o advento de uma nova concepção dessacralizada da História. A filosofia (da história) se emancipou da teologia (da história). Eis porque, as ideias optimistas de progresso podem ser consideradas como uma forma de sucedâneo da esperança religiosa. Doravante, o Homem é colocado no centro da reflexão e no centro do Universo.
Aliás, vendo bem, verificamos, que, efectivamente outros vocábulos, designadamente “civilidade” tinham já remetido para esta oposição entre o homem civilizado (que habita a civitas) e o homem selvagem (que habita a silva). Todavia, este vocábulo perdeu o seu valor positivo quando foi suposto representar uma aparência esvaziada de realidade. A mesma sorte esperava o termo “polidez”, contendo a ideia de luzente, liso, sem aspereza. Tinha suplantado “civilidade”, por volta da metade do século XVIII, para exprimir uma educação excelente, a amabilidade, a honestidade, no entanto, foi percebido, em seguida, como a arte de imitar as virtudes.
De sublinhar, antes de mais, que o que permitiu ao vocábulo “civilização” livrar-se de idêntico destino e percorrer um longo percurso foi, em primeiro lugar, o sufixo em acção. Este, por um lado, permite à assimilação deste vocábulo aos numerosos neologismos (sendo, neologismo: palavra ou expressão tida como de introdução recente em uma determinada língua), facto que lhe assegura uma difusão imediata.
De anotar, por outro, que o sufixo indica uma acção e não uma qualidade adquirida, o que permitiu ao vocábulo “civilização” se identificar com a ideia de uma evolução linear, de um processo transformador.
Não deixa, aliás, de ser curioso, verificar que ideia de progresso, ora enunciada, acima, conheceu gradualmente várias interpretações, por vezes, assaz contraditórias, designadamente:
a) A fé revolucionária (leia-se: Revolução Francesa) atribuiu-lhe uma força inesgotável e um valor sagrado. O Positivismo e o Marxismo, por razões distintas e com resultados dissemelhantes, manifestaram confiança idêntica na marcha incessante do Progresso Humano.
b) Pelo contrário, os adversários da Revolução negaram-lhe toda a acção de melhoria da Sociedade, acusando a civilização de ter destruído os valores tradicionais da religião e da cavalaria.
c) Por seu turno, os da Restauração renovam a sua confiança num incremento indefinido do usufruto, da descoberta e do bem-estar material.
No entanto, a Europa incrementa a sua produção global, se moderniza, se empenha na revolução industrial: entra, deste modo, na era do caminho ferro e do barco à vapor.
Todavia, o custo destas conquistas desemboca no advento de um proletariado industrial cujas as condições de vida são horrendas.
Eis que, então, ante este ingente problema social, pensadores, tais como CONSTANT, SAINT-SIMON, FOURIER já não podem e nem devem se abster de criticar a civilização encarnada no modelo de sociedade da época. Todavia, as suas críticas não atingem aos próprios fundamentos da ideia de civilização.
E, em jeito de Remate pertinente:
Na verdade e, na realidade, as aberrações existentes são interpretadas como incidentes passageiros ao longo de um percurso que atravessa períodos positivos e períodos negativos. E, explicitando, adequadamente:
“Il résulte de ceci que ce n’est point la civilisation qu’il faut proscrire et qu’on ne doit ni ne peut l’arrêter. […] Il faut apprécier l’époque où l’on est, voir ce qui est possible, et en secondant le bien partiel qui peut encore se faire, travailler surtout à jeter les bases d’un bien à venir ». In De la religion, da autoria do escritor francês, Benjamim CONSTANT (1767-1830), editada em Paris (1824-1831).
Aliás, segundo CONSTANT, os pensamentos elevados e nobres, a moral e a religião contribuirão para lançar estas bases enunciadas.
Por sua vez, para o doutrinante socialista francês (outrossim, um observador perspicaz), Charles FOURIER (1772-1837), a questão se prende com uma nova organização do Trabalho que poderá corrigir os danos e prejuízos causados pelo desenvolvimento da Grande Indústria:
“Du reste la civilisation occupe en échelle du mouvement un rôle important, car c’est elle qui a créé les ressorts nécessaires pour s’acheminer à l’association ; elle crée la grande industrie, les hautes sciences et les beaux-arts. On devait faire usage de ces moyens pour s’élever plus haut en échelle sociale, ne pas croupir à perpétuité dans cet abîme de misère et de ridicule nommé civilisation, qui avec ses prouesses industrielles et ses torrents de fausses lumières ne sait pas garantir au peuple du travail et du pain ».In Préface de Le Monde industriel de Ch. FOURIER (1829).
Enfim e, em suma :
Estes propósitos, por mais críticos que sejam, depõem como testemunha de uma época que vê a burguesia se consolidar e se lançar na aventura colonial. A própria ideia de civilização parece, por conseguinte, coincidir com o desenvolvimento, em força, do capitalismo.
E, em complemento oportuno:
Um vocábulo muito próximo da “civilização” é o da “cultura”. Os dois vocábulos pertencem ao mesmo campo semântico, reflectem as mesmas concepções fundamentais. Associados, por vezes, no entanto, não são integralmente equivalentes. De feito, enquanto “civilização” evoca os progressos colectivos, a “cultura”, por seu turno, evoca mais os progressos individuais. Ambos e, por razões idênticas, são conceitos unitários e só se empregam no singular.
Do seu sentido original (recente), “civilização” (o vocábulo aparece apenas, no século XVIII), que designa a afinação de costumes, se emancipou rapidamente, com os filósofos reformistas e passa a significar para eles o processo que arranca a Humanidade da ignorância e da irracionalidade. Preconizando esta nova acepção de “civilização”, os pensadores burgueses reformadores, que não se encontram desprovidos de influência política, impõem a sua concepção do governo da sociedade que consoante eles, deve-se apoiar na razão e nos conhecimentos.
Deste modo, a civilização é, por conseguinte, definida como um “processus d’amélioration des instituitions, de la législation, de l’éducation”. Ou seja e, de modo mais consequente: A civilização é um movimento que “est loin d’être achevé”, que é necessário manter e apoiar e que afecta a sociedade, no seu todo, principiando pelo Estado, que deve se libertar de tudo quanto for ainda insensato no seu funcionamento. E, rematando avisadamente, a civilização pode e deve se estender a todos os Povos componentes da Humanidade.
Finalmente, o uso e utilização respectiva da “cultura” e de “civilização”, no século XVIII, marca, por conseguinte, o advento de uma nova concepção dessacralizada da História. A filosofia (da história) se emancipou da teologia (da história). Eis porque, as ideias optimistas de progresso podem ser consideradas como uma forma de sucedâneo da esperança religiosa. Doravante, o Homem é colocado no centro da reflexão e no centro do Universo.
Lisboa, 26 Março 2010
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista --- Cidadão do Mundo).
.
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista --- Cidadão do Mundo).