Na ERA do “Gratuito”:
“Ser culto es el único modo de ser libre”.
José MARTÍ (1853-1895)
NOTA PRÉVIA:
Jamais, a gratuidade não esteve tão presente, elogiada e disputada como na Era numérica.
Este fenómeno histórico (e económico singular) é frequentemente identificado à baixa continua dos custos de tratamento e de transporte da Informação.
De feito, consiste, antes de tudo, nos “efeitos de rede”, pois, graças à extensão do campo da codificação binária, as inovações numéricas (Internet, motores de busca/pesquisa, meios de pagamento electrónicos, televisão, etc.) vêem a sua utilidade crescer com o número de utilizadores.
Todavia, o que é facto, é que, sendo: A gratuitidade uma arma económica temível já não é uma subvenção colectiva. Sim, efectivamente, um instrumento privado ao serviço das empresas. Donde e daí, os seus mecanismos respectivos são mais subtis, mais violentos, mais contestáveis que as promessas que os apoiam.
(I)
“Seguramente (com certeza), pode-se esperar que, com o tempo, a influência da profissão de economista será tal que será mais difícil obter um benefício político pela propagação de más escolhas económicas”. RONALD COASE, economista norte-americano de origem britânica, Prémio Nobel da Economia do Ano de 1991 (n-1910), In “Economics of Broadcasting and Advertising”, The American Economic Review, Março 1966.
Bien sûr, en effet:
Il y a là, pour l’économiste, le citoyen, le sceptique raisonnable, une conjoncture singulière.
E, para PRINCIPIAR :
(a) O gratuito é desejável, não unicamente porque é transgressor (transcende, aliás, os limites da procura clássica), todavia, outrossim, porque é credível, desde então, que uma visão PRODUCTIVISTA atribui custos nulos para a difusão massiva da Informação. Ora esta visão é, pelo menos, ingénua! Eis porque, entretém e agrava a inadaptação das representações económicas que fazem do gratuito o instrumento privilegiado da permutação social, pois que, na Era numérica, o gratuito é privado. Os seus mecanismos são, seguramente mais subtis, mais violentos, mais contestáveis que as promessas que os apoiam.
(b) Por seu turno, o numérico é um autêntico “Cavalo de Tróia”. Penetra e se difunde, antes de mais, como uma mercê. Em seguida, desfralda os seus efeitos de rede. Todavia, um benefício, jamais é inocente: se concebe, se aprecia, se discute, suscita escolhas de representação, se aceita ou recusa.
(c) Levantada pelo numérico, a questão do Gratuito (o abstencionismo do preço, as transferências que o organizam, os efeitos que daí resultam), revitaliza a função do discurso económico na nossa Sociedade.
(II)
Na verdade, o Gratuito não é um milagre. Nem, tão pouco, a Graça de um príncipe cuidadosamente derramada sobre necessidades. Nem mesmo, os bons ofícios de uma ciência que, apagando o peso dos custos, remaria o Universo para o seu estado natural, de antes do advento da Economia. O gratuito é trivial: é um utensílio, um instrumento económico, um engodo. Serve para iniciar, reunir clientes, iniciando os mercados das inovações numéricas, às quais fixam um plano crescente, no âmbito das nossas economias. Atrás dele se perfilam transferências, subvenções cruzadas, regateio (discussão do preço) nos bastidores, explorando conexões de força, deixando na “rua ao abandono” vencedores e perdedores.
E, com os utensílios da micro economia (e a sua árdua tarefa de explicações técnicas) referenciamos os seus Actores, explorando os seus mecanismos, discutindo e elucidando as lógicas que o faziam aparecer e, por vezes, triunfar.
(III)
Sim, efectivamente, o Gratuito é o sintoma da importância dos efeitos de rede, na Economia hodierna. Se a Sociedade de consumo nos é familiar, os mecanismos do seu desenvolvimento nos são, por vezes, obscuro. Com efeito, a produção já não corresponde estritamente às necessidades, para melhor dizer à uma procura limitada pelo apetite e a saciedade fisiológica.
Aliás, efectivamente, cada vez mais e mais, produtos integram uma dimensão informatizada e devem, para ser vendidos, promover novas utilidades. É-lhes necessário, deste modo, pela sua circulação e, outrossim da sua imagem, estabelecer bases da sua função ou do seu consentimento e, gradualmente conquistar novos utilizadores.
Por outro, ainda, identicamente, a criação do desejo, da sede de produtos que são, antes de tudo, símbolos ou meios, inclusive monetários, de permutar socialmente, constitui, doravante o cerne da actividade económica. Esta proliferação dos símbolos e os desafios da sua circulação extraem a inovação tecnológica para mais tratamento de informações, mais codificação numérica, mais digitalização.
(IV)
O que é facto, porém é que o Gratuito acompanha todo este processo, ora enunciado. Donde, no âmbito desta dinâmica, a difusão do numérico agrupa três (3) ingredientes, a saber:
1- A Elaboração de standards. Por sua vez, aos standards se apliquem regras de gestão do código numérico: o GSM para as comunicações móveis, o protocolo Internet para as comunicações fixas e doravante móveis; o formato MP3 para as permutas, no âmbito da música desmaterializada, o algoritmo PAGE RANK (GOOGLE) para o motor de busca (pesquisa). Estes standards são oriundos, quer de uma démarche pública, quer de uma pesquisa concertada entre grupos de Actores complementares, quer da estratégia de uma única firma, visando o domínio do Mercado.
2- De anotar, que tais standards abrem, graças à Lei de MOORE:
Por outras palavras e para melhor dizer, à produtividade crescente da informação codificada, um formidável potencial de economias de escala. Estas economias, podem sustentar a demonstração de equipamentos, fornecendo a desmaterialização e os ganhos logísticos associados (terminais móveis, computadores pessoais, leitores MP3, terminais de cartões bancários…). Porém, todo este potencial não é nada, sem a adopção, sem o círculo virtuoso da colocação em circulação do código. É então que intervém os efeitos de rede: O, “mais isto circula, mais útil é”. É, de facto, então que intervém o Gratuito.
(V)
Quer seja financeiro pela publicidade, as transferências verticais, as vendas agrupadas, as plataformas em duas vertentes, o Gratuito porque é desejável, é, antes de tudo, um instrumento de criação de mercados. Pelos jogos de subvenções habilmente doseados, cria massas críticas que encadeiam os efeitos de rede da circulação simbólica. Estes jogos são subtis, porquanto os seus actores vêm extrair os meios de financiar o Gratuito, ora, no âmbito da cadeia técnica e industrial, envolvendo o código, ora no âmbito dos mecanismos de um sistema tarifário, ora, outrossim e, ainda, numa falha da aplicação do direito, ora, finalmente, porque não, no maná da publicidade. Daí uma vasta paleta de mecanismos cuja a descrição é, frequentemente laboriosa, porém cujo o Princípio permanece, não obstante, constante: “there is no free lunch”. Ou seja: “não há almoços grátis”.
Lisboa, 01 Janeiro 2010
KWAME KONDÉ
(Intelectual/internacionalista --- Cidadão do Mundo).
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