sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

ELOCUBRAÇÃO VIGÉSIMA NONA:

“Ser culto es el único modo de ser libre”
José MARTÍ (1853-1895).


Não há dúvida nenhuma, que atrás das metamorfoses da Internet, existe sobremaneira uma mudança profunda dos Cérebros e dos Espíritos do Homem que se encontram em franco questionamento. Por outro, atrás destas mutações individuais, uma profunda mudança da própria Organização Social Hodierna.

Vejamos, então, num rápido instante, o que se passa, por exemplo, em princípio com a transformação dos Cérebros Humanos.

(A)
Quem nunca contemplou a Lua, esperando ler (aí) os pensamentos secretos de incógnitos que nos compreendem, tem dificuldade em entender o conteúdo de verdade das coisas videntes oriundas do intelecto Humano. De feito, enquanto o século XX pretérito terminou pelo triunfo da Imagem, o século XXI principia por uma reabilitação da escrita, o utensílio, que permite melhor exprimir os Pensamentos sem atulhar aparências, visuais ou auditivas.
Sabemos, doravante, que pudemos, a todo o momento, partilhar as nossas impressões do instante, como os nossos pensamentos profundos, com próximos, outrossim, porém, com meras conexões ou desconhecidos. Isto não impede a nenhum de nós de preservar os seus segredos, no entanto, ainda assim, a vida virtual é uma vida que se vive a cérebro aberto e, isto transforma até o nosso modo de pensar. Já não somos únicos com a nossa vida interior, ou, em todo caso, a sua porta já é hermética, nem reservada a um minúsculo círculo de íntimos, ou, para os crentes, a Deus…
Enfim, se, presentemente (nos nossos dias de hoje) os adolescentes se interessam aos seus semelhantes antes que os mistérios do Espaço, ou os segredos do Mar Vermelho, é porque com a Internet, a exploração da vida interior dos outros substituiu a descoberta de mundos incógnitos como modo de busca de si próprio.

(B)
O segundo Paradigma, que se pode deduzir das ideias fundamentais do Estudo da “alquimia des multitudes” formula que esta vida interior a céu aberto é uma vida organizada e recortada em temáticas. A Internet “alquímica” ajuda a classificar e tornar apresentável a todo desconhecido o nosso Universo mental. Tudo isto é surpreendente, todavia, não deixa de se afigurar e assumir, quão perigoso. As imagens (as nossas fotografias, os nossos vídeos preferidos, etc.) se tornam o auto-retrato impressionante cuja a desorganização se encontra notavelmente normalizada.
A regra, já evidente desde os inícios da WEB, segundo a qual os maiores perigos da NET residem não no que diz, porém nos silêncios, aparece, hodiernamente mais exacta que nunca. Felizmente, a Internet oferece, outrossim, uma forma de reabilitação da diversidade, inclusive, no âmbito da oferta dos actores económicos, que cessaram de evoluir para a estandardização, na segunda metade do século XX passado. Todavia, se espera, que, ao lado da “economia da longue traîne”, isto é, a capacidade para produzir a baixo preço, produtos raros homólogos à diversidade espontânea dos gostos de cada um, a WEB poderá, outrossim, produzir e encorajar um “pensamento da longue traîne”.

(C)
Todavia, se permuta as nossas formas de pensar, a Internet permite, outrossim, de se servir da Inteligência colectiva em condições totalmente inéditas, desde as remotas origens do advento da humanidade. Quando o Budismo, o Cristianismo, o Islão redesenham o Mundo, constituem Sistemas de Pensamento edificados desde o princípio e revelados por um Profeta único. Quanto aos grandes sistemas políticos, não são obrigatoriamente o fruto da imaginação de uma única pessoa, no entanto, quase sempre, produzidos por um grupo apanhado no espaço e no tempo, dos pensadores e reformadores. A disposição em rede dos espíritos transforma veridicamente as conexões de força na Sociedade e faz surgir, em alguns meses, modos de viver e de pensar, aspirações e desejos inteiramente novos e, não obstante, assaz minuciosamente partilhados, enquanto forem, em princípio, inspirados por nenhum guru nem nenhum filósofo. São os puros “produtos” de uma Inteligência social colectiva. A diferença entre os conflitos de geração dos nossos dias e os de outrora, é que os de outrora eram sempre inspirados por Escritores “rebeldes”da geração dos pais respectivos.
Eis porque, não é preciso subestimar a sensacional virtude de um porta-voz que permite na rua se fazer escutar sem descer à rua e votar, com os seus próprios pés, sem “dar às de vila Diogo”. Não é necessário, aliás, ser ingénuo tão-pouco. Evitando toda a teoria fácil do complot organizado por um BIG BROTHER multinacional, temos que convir que o risco existe a despeito de ver uma fracção da inteligência colectiva da WEB confiscada e contrariada por LITTLE SISTERS aos interesses assaz estreitos. E vê-se, outrossim, como a WEB pode se tornar no Teatro de novas “febres obsidionais” (leia-se, outrossim, uma espécie de psicose colectiva que afecta uma população cercada), estes movimentos de multidão que, na Idade Média empurravam todos os habitantes da cidade para uma das saídas, simplesmente, porque, só de ouvir falar, tinha assinalado a chegada de uma turba ou de um “bando” de leprosos.

(D)
O que é facto, todavia, é que o Progresso técnico não cessa de avançar, num sentido que outorgará ao utilizador, cada vez mais e mais, domínio dos conteúdos, facilidade de acesso e, outrossim, a sua capacidade para se rebelar contra as práticas ou as ofertas que lhe desagrada. Neste momento, em que muitos se inquietam das consequências ecológicas da actividade industrial, reconhecendo a sua utilidade para o bem-estar colectivo, chegou, sem dúvida, a hora de associar ao impulso da WEB, uma verdadeira démarche de desenvolvimento durável intelectual, pois que, efectivamente 1+1=muitos. Quiçá, todavia, da qualidade da Educação, do nível cultural e da consciência ética de cada minúsculo 1, isto é, de cada “WEBACTEUR” dependerá, ainda assim, a capacidade de este “todo” em nos propulsionar para o Progresso ou em despachar-nos para a parede.

(E)
Efectivamente, as Médias tradicionais nos reputam, em termos nobres, como a sua “natural audiência”. Entusiasmada pelos “WEBACTEURS”, esta audiência evolui. Familiar da WEB, serve-se disso, com uma natural destreza e agilidade crescentes. Diverte-se, com isso e, o que aí aprende lhe permite resolver os Problemas de Informação que as Médias tradicionais satisfazem mal e muito mal mesmo. Estas últimas arrastam demasiado, frequentemente, os pés face a este movimento iniciado na periferia.
Se justificam, outrossim e, ainda, invocando as hesitações da parte, a menos dinâmica da sua audiência e avançam, não sem motivos, que o modelo económico é ainda incerto, o melhor possível. Não sabem, aliás, como se comportar ante um movimento, no qual a participação e a constituição de grupos perturbam as conexões societais (inclusive, de poder) existentes. Ao fim de conta, mesmo a mera noção dos NEWS, da actualidade, da informação, parece posta em causa.

(F)
O que, em inglês, se denomina a “Indústria das Médias” (o Ecossistema composto das médias tradicionais, das novas formas que aparecem todos os dias, dos jornalistas, dos patrões dos utilizadores entre outros, é sensível à evolução destes últimos). Não é, verdadeiramente, novo, todavia, a dinâmica enformadora, já não pode ser ignorada.
Os quotidianos do Mundo Inteiro (salvo, algumas excepções, aproximadamente, devidas, normalmente à circunstâncias políticas particulares) começaram a perder leitores, muito antes que a WEB não se torne um fenómeno de massa. Mais grave, mais difícil a analisar, porém identicamente relevante, não cessam, desde, pelo menos, vinte (20) anos de tomar as suas distâncias com o que os jornalistas têm o hábito de reputar como a “actualidade” (em inglês, THE NEWS) em benefício do ENTERTAINEMENT e de espectáculos menos caros a produzir.
As Médias podem investigar perante a inelutável evolução da Internet. Por seu turno, os “WEBACTEURS”, eles, não esperam. Descobrem novos serviços, novos prazeres, novos meios de expressão, cada vez, que deambulam na WEB. Utilizam-nas, rejeitam alguns tomam gosto a outros, se habituam a isso e terminam por exigir a sua generalização respectiva. A Cultura muda. Nada melhor para se fazer uma ideia do fenómeno que um pequeno cruzeiro com escalas, no decurso do qual se vê, em primeiro lugar, como a frequentação de alguns sites (os mais visitados) modifica a audiência, mesmo quando não constituem, propriamente falando, Sites de Informação.
Enfim e, em suma: A Lógica, que subentende esta abordagem é que é, seguindo a audiência, que se compreende o que se passa com algumas pistas, as mais ricas de ensinamentos.

Lisboa, 14 Dezembro 2010
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista --- Cidadão do Mundo).
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