sábado, 28 de novembro de 2009

ELOCUBRAÇÃO DÉCIMA QUINTA:

(1) A lei natural é a própria vida do Homem,
Que tende para a sua plenitude.
(2) Declarações de Princípio: “Não percebeis que
Tudo quanto de fora entra no Homem não pode torná-lo
Impuro, porque não penetra no seu coração, mas no ventre
E depois é expelido em lugar próprio?” (Mc 7,18-19). “Que
Ninguém vos condene pela comida ou pela bebida. […]
Porque vos submeteis a essas prescrições? […] “Não tomes, não proves, não toques…”, proibições que se tornam perniciosas pelo
Uso que delas se faz e que não passam de preceitos doutrinais
Dos Homens! Têm, na verdade, uma aparência de sabedoria, pela
Afectada piedade, humildade e severidade para com o corpo,
Mas não têm nenhum valor real e só servem para satisfazer a carne” (Cl 2,16. 20-23).
Enfim, tudo que produz e cria a Mãe Natureza é Bom
E não é para desprezar.

Demais, a lei Natural, escrita nas tendências humanas
Fundamentais e conhecida pela razão,
Indica a direcção de Crescimento da Pessoa Humana.


(I)
COMER participa da Ética da Moral. Existe uma moral dos banquetes e das orgias, ou seja, um conjunto de valores e de normas de acção (não escritas) que são prescritas aos cidadãos, aquando dos festejos privados e públicos pelas Instituições Socais (Família, Igrejas, Estado). Esta moral da festa tende a suscitar ela própria, em cada indivíduo, modos de ser e de fazer, “moralidades de comportamentos” que podem ser conscientes ou inconscientes.
Com efeito, a Ética Individual é a forma em que cada cidadão se integra no corpus de prescrições (em vigor) e se constitui livremente como sujeito moral do grande Código Social.
No âmbito desta dinâmica, vale a pena, trazer à colação a Ética alimentar d’Antou (oriunda da célebre canção do grupo da Costa de Marfim, Magic System), uma verdadeira ilustração deste modo de sujeição e, outrossim, da forma como cada cidadão se sente a obrigação de se servir das normas e valores sociais. Esta Ética Negro Africana que se esforça por edificar a sua Vida, uma Obra de Arte tem por substâncias, aliás, os afrodisíacos com o desejo, a concupiscência e a carne. Não se trata, todavia, de uma submissão cega à um Código Moral. É uma Escolha pessoal estética e filosófica.

(II)
COMER é outrossim uma Estética de Si. No contexto Africano é um Acto que elucida vários tipos de morais, radicalmente dissemelhantes, ou seja: Uma Moral do desprovimento que consiste em se conformar, escrupulosamente às Normas Sociais e em obedecer às injunções dos que editam o que deve ser considerado em todas as circunstâncias, como sendo o Comportamento apropriado. No fundo, aliás, uma nova moral Negro Africana virada para a Ética e cujo o Princípio consiste em outorgar prazer, transformando a sua vida, insuflando-lhe, constantemente um desvelo estético. (…).

(III)
Determinados Gostos e Sabores estão associados muito precisamente à uma Atitude Mental ou à uma Ética do Carácter. Enquanto no Ocidente o “doce”, por exemplo, evoca juízos morais, desde meados do século XVII, já, no Sul do Sara, tende a evocar antes uma certa forma de imaturidade, até mesmo de fraqueza e de ingenuidade. Eis porque, “naturalmente” estes gostos e sabores estão reservados às mulheres ou às crianças (lhes fixa só consumir, em público, bebidas doces, mesmo se alcoolizadas). Por conseguinte, as bebidas consumidas pelas mulheres são, geralmente os vinhos cozidos ou licores importados.
Donde, então, o consumo de álcoois “fortes”, que incluem outrossim a cerveja tradicional ou importada como as bebidas exóticas tipo whisky, revela uma adesão aos valores positivos de autoridade, de coragem e de resistência.
De feito, o consumo do “forte” se acompanha, aliás, em geral, refeições muito condimentadas (“apimentadas”), símbolo (eles, outrossim) de poder e de virilidade. Na verdade, esta combinação de “forte” e de “apimentado” constitui, aliás, um ritual de passagem para a idade adulta, a afirmação de uma virilidade indiscutível, a admissão na corte dos adultos. E, quando uma mulher se ousa mostrar uma demasiada propensão para o consumo de licores e iguarias apimentadas, se lhe admira, ao mesmo tempo, que se a receia e se interroga acerca da virilidade do seu parceiro…

(IV)
As bebidas alcoólicas a bolhas como os vinhos espumosos e o champanhe perturbam, até certo ponto, esta norma moral, porquanto a solenidade que se lhe encontra associada transcende as categorizações e as etiquetas sociais. Celebram a alegria de viver e toda a gente tem nisso, em princípio, legítimo direito.
De feito, em virtude, do “princípio de democratização” da Felicidade, é, deste modo, permitido, seja quem for (leia-se, outrossim, qualquer um) fruir (tirar prazer), por exemplo, do bom gosto deste champanhe que encarna o apetite de viver (este valor cardinal comum das Sociedades Africanas).
Demais, o borbulhar das bolhas parece trazer em si próprio, a efervescência e os faustos de uma vida que se pretenderia e se desejaria, quão alegre e quão dinâmica quanto possível. O ruído impetuoso da rolha que salta e que se saúda geralmente, por uma salva de palmas, a transparência solene deste álcool puro e requintado (assaz forte para não ser bebido de um trago, assaz doce para não embriagar o consumidor médio, desde a primeira Taça), a exigência do respeito da temperatura adequada, visto que o champanhe se bebe obrigatoriamente bem fresco, tudo isto, partilha de uma ética social e de uma nova ritualização do gosto.

(V)
Este entusiasmo colectivo para a orgia de luxo não impede numerosos cidadãos de cultivar outras formas de distinção, optando para comportamentos atípicos. Conta-se, deste modo, um número crescente de vegetarianos entre os quadros Africanos (designadamente, os que estudaram, no estrangeiro).
Com efeito, se ser vegetariano em Calcutá (cidade indiana, capital de Bengala Ocidental) não tem nada de extraordinário, visto que isto faz parte dos costumes de um vasto leque de pessoas, a Dakar (Capital do Senegal), em Duala (República Federal dos Camarões) constitui, ainda um estilo insólito que permite se posicionar no imaginário colectivo na mesma categoria, que as personagens míticas e vegetarianas como, designadamente:
(1) CONFÚCIO (Filósofo da China, moralista, sábio e fundador de uma religião: 551-479 a. C.).
(2) PLATÃO (Filósofo Grego: 427-347). Nasceu em Atenas, de uma família da antiga nobreza, tendo recebido uma esmerada educação.
(3) LEONARDO da VINCI, Escultor, arquitecto, engenheiro e (pintor, famoso), não só, pela sua genialidade, mas outrossim, pela sua versatilidade (1452-1519).
(4) Ou, ainda, FRANZ KAFKA, escritor checo de língua alemã (1883-1924).

Alguns abraçam crenças e práticas religiosas que recomendam um tal modo de vida, por necessidade de exotismo intelectual ou por preocupação, um tanto ou quanto, niilista da diferença. Outros se conformam nisso, fundamentalmente por inquietação de cultivar uma imagem pública de pureza e de sobriedade que ajuda à se distinguir mais da massa.
Todavia, no fundo, no fundo, tais esforços não são, contudo, necessários. E, comungando, pedagogicamente com o Escritor e Moralista francês, François, Duque de LA ROCHEFOUCAUD (1613-1680): “On est quelquefois aussi différent de soi-même que des autres”.

Rematando, finalmente :
A) Para além do Princípio de Prazer que constitui uma dimensão fundamental da Arte de Viver em África, as suas escolhas são identicamente a Expressão de um combate contra o revés, contra a penúria, contra a miséria. Aliás, efectivamente a Mensagem é óbvia: a miséria não humilhará nem os sonhos, nem a procura insaciável de dignidade e de respeito.
B) Estamos, deste modo, ante um desejo de afirmação de Si e uma necessidade de reconhecimento da Humanidade destes Homens que se desejam Grandes nas suas Almas, a despeito dos seus minúsculos Destinos.

Lisboa, 28 Novembro 2009
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista --- Cidadão do Mundo).
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