quarta-feira, 25 de novembro de 2009

ELOCUBRAÇÃO DÉCIMA QUARTA:

Nota Prévia:
Comer, jamais foi um acto trivial ou desprovido
De significação. Desde sempre e, em todos os
Lugares, o Ser Humano conferiu, sempre a esta
Necessidade fisiológica uma importância simbólica
E uma significação, quase metafísica.
Vector de interacção social, concomitantemente quadro de
Redefinição e de validação das identidades individuais e
Colectivas, o Acto de comer
Assumiu, sempre o ensejo para as famílias e os
Grupos Sociais permutar sinais de convivência,
Modos de descodificação das conexões de força
Sobre a Ordem Social em vigor.
Este Acto assume, evidentemente uma significação particular
Nas regiões, onde reinam a fome e a pobreza.
Nesses casos, as escolhas alimentares e a forma
Como são vividas e assumidas, tornam um luxo
Que não se pode ofertar sempre.
Identicamente, a recusa de comer ou auto-privação em
Relação a certos alimentos veicula,
Identicamente diversas cosmogonias e éticas sociais.

(A)
Em África, onde milhões de pessoas dormem esfomeados, todos os dias, para os Africanos comer, não é unicamente um imperativo biológico. Na verdade, nestes países em que a fome domina o imaginário, comer constitui, um momento de libertação e prazer. Comer é, identicamente uma forma de partilhar das técnicas de valorização do Si, isto é, de uma ordenação e de uma negociação da relação consigo próprio e com os outros. É, por conseguinte, no fim de conta, um modo socialmente instituído do conhecimento de Si, uma formulação da subjectividade. Para além de mera concupiscência, o Acto de comer pode, por conseguinte, se analisar como um destes afrodisíacos (actos, gestos, contactos que proporciona prazer) que procuravam os Gregos e os Romanos.

(B)
Os lugares e os rituais de alimentação são, outrossim, reveladores da Ética das Civilizações. Comer pode, deste modo assumir uma forma intimista e privada que permite ao Chefe de família estruturar o diálogo e a relação no seio do Lar (homem/mulher, pais/filhos, etc.). Pode, outrossim, assumir uma forma semi-privada que oferece aos membros de um Grupo Social o ensejo de interagir sobre assuntos triviais ou delicados e graves, porém, numa atmosfera simples, temperada pela organização do diálogo, em torno de um ritual de refeição e de bebidas, especialmente preparado para modelar as tensões.
Pode, enfim, se enunciar, numa forma pública em que o Acto de Comer se transforma em verdadeiro banquete, em que o que se consome verdadeiramente tem menos importância que o próprio simbolismo da refeição em si, da qualidade da mesma, da identidade e a posição social dos convivas, da solenidade do lugar, a seriedade do ambiente, do tipo de música que enfeita estes momentos, etc.

(C)
Na sua contribuição para L’Historire de la vie privée en Ocident (1985), o arqueólogo e historiador francês, especialista em história da Antiguidade Romana, Paul Marie VEYNE (n-1930) lembra, aliás, que do tempo do Império Romano, o banquete era considerada uma cerimónia de civilidade e polidez.
Ou seja: Constituía a circunstância ou situação em que o homem (em privado) degusta o que é e o patenteia aos seus pares. Demais, neste particular, exara assertivamente o insigne historiador, nos termos seguintes:
“Le banquet était beaucoup plus qu’un banquet, et les vues générales, sujets élevés et récapitulations de soi-même y étaient attendues ; si le maître de maison a un philosophe domestique ou un précepteur de ses enfants, il lui fera prendre la parole ; les intermèdes de musique (avec danses et chants), exécutés par des professionnels dont on a loué les services, pourront rehausser la fête. Le banquet est une manifestation sociale autant et plus qu’un plaisir de beuverie… ».
Donde e daí, o banquete serve, por conseguinte, concomitantemente para se afirmar em privado, no espaço familiar ou pessoal, dado que oferece uma oportunidade ao homem público para se definir ante (aos olhos) dos seus semelhantes.

(D)
Com efeito, a mística do consumo alimentar se encontra, frequentemente, vinculada à assimilação do deficit de dignidade que se ressente e à afirmação identitária: individual e colectiva. Por outro, os estudos empíricos consagrados às decisões de consumo, em diversas regiões do Mundo o corroboram: os hábitos de consumo mudam com o incremento do rendimento e traduzem uma certa preocupação de Si. De facto, mais uma Sociedade se enriquece, mais as populações consomem mais nutrimentos e mais, mudam, outrossim, as fontes de nutrimentos.
Afigura-se pertinente, referir que estimativas económicas da procura de alimento e de nutrimentos nas zonas rurais da China mostram, por exemplo, que a afectação das despesas alimentares muda hiperbolicamente à medida que os rendimentos dos Lares aumentam.
Eis porque, no âmbito desta dinâmica, a importância nutricional dos cereais diminui progressivamente a favor de produtos alimentares mais dispendiosos como a carne.
Aliás e, por outro, idêntica Evolução dos gostos e das preferências alimentares é, outrossim, observada na Índia, onde Estudos revelam que as Populações abandonam o consumo de cereais a favor do consumo de produtos lácteos e de carne, à medida que se eleva o seu nível de vida.

(E)
O nutricionista e o economista podem se deter, obviamente sobre estas verificações, por motivos, assaz pertinentes. Por seu turno, devem tentar descobrir nisso as significações e as grelhas éticas que se enunciam por detrás da estética da mesa. Obviamente, as mudanças observadas na estrutura das despesas alimentares não reflectem unicamente o incremento do nível de vida. Correspondem, outrossim, à uma evolução geral dos hábitos alimentares através do Mundo e, consequentemente de todas as classes sociais somadas.
DESTARTE, a uniformização das ementas e das formas de mesa que se pode verificar, segundo o ritmo de aumento do número de restaurantes MacDonalds através do Planeta traduz, por conseguinte, pelo menos, parcialmente esta Ocidentalização geral do gosto e da Cultura. Todavia, para além das considerações sociológicas, as escolhas alimentares são, fundamentalmente vectores de sentido.

(F)
Nas regiões do Mundo, onde as mutações da penúria alimentar constituem fontes de humilhação quotidiana, o que se come, assume, frequentemente o estatuto de um poderoso vector de identidade e um símbolo de Poder.
Fala-se, hodiernamente, deste modo, de “Política do ventre” para designar a percepção, no subconsciente colectivo, das estratégias individuais de acumulação e de posicionamento social, dos modos de acesso às instâncias de dominação (por conseguinte, de Legitimação de Si).
Sim, efectivamente, o que se come participa, por conseguinte, de uma Cultura de Poder e exprime um ÊTHOS da generosidade, simultaneamente, como um ritual de pertença, no âmbito de uma Rede relacional.

Lisboa, 24 Novembro 2009
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista --- Cidadão do Mundo).
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