quarta-feira, 30 de setembro de 2009

ELOCUBRAÇÃO OITAVA:

“Ser culto es el único modo de ser libre”
José MARTÍ (1853-1895)

“L’heure de nous-même est venue”, Aimé CÉSAIRE (1913-2008), in Lettre à Maurice Thorez, Paris 1956.

Na verdade e, na realidade é já clássico, se opor a Grã-Bretanha à França.
A primeira é creditada de uma descolonização plenamente assumida, negociada e pacífica, em consonância com uma temperada lógica levada ao pragmatismo e à apreciação, sem estados de alma pelos seus interesses.
A segunda (a França, obviamente) conotada com uma descolonização, infinitamente, mais reticente e conflituosa, que explicaria a sua crispação acerca de uma concepção toda jacobina da indivisibilidade da República e da grandeza nacional.
E, entre estes dois extremos, as descolonizações “secundárias” constituiriam casos intermédios, mais próximos da Grã-Bretanha para a descolonização belga e da França, para as descolonizações holandesa e portuguesa.

Por essa razão, a emancipação das possessões britânicas não está isenta da presença de provas de força prolongadas. Eis porque, seria imprudente erigir como em modelo determinadas retiradas precipitadas, deixando, frente a frente, como nos casos da Índia ou da Palestina, populações condenadas ao afrontamento pelo apagamento da potência arbitral.
Opostamente, a França conseguiu, no âmbito dos seus mandatos e protectorados, com convulsões (é certo) a uma Independência negociada, do mesmo modo que conduziu em África negra as etapas de um descolonização pacífica.
No atinente, às duas guerras coloniais, em que se comprometeu, fazem surgir situações excepcionais às quais a Inglaterra não foi confrontada, de modo tão veemente. Ou seja: a confusão do nacionalismo e do colonialismo na Indochina e a presença na Argélia de uma comunidade europeia numerosa que nada conseguia demover em abandonar o território argelino.

Importante, consignar, que por mais esquemática que for, esta tipologia, não é menos fundamentada. Explicitando:
--- Quer na Índia, quer em África, a Grã-Bretanha soube fazer a economia das guerras prolongadas e se envidar, numa política evolutiva do Império, que já tinha dada provas com os Dominions. De anotar, que Dominion (vocábulo inglês), é o nome dado, antes de 1947, a diversas parcelas da Commonwealth, politicamente independentes, porém, unidas à Coroa por vínculos da vassalagem (Canadá, Austrália e a Nova Zelândia constituíam Dominions).
--- O mérito cabe, antes de mais, aos Trabalhistas. De feito, menos impregnados que os conservadores da mística imperial, admitiram que, tendo em conta, o enfraquecimento do país, se afigura, assaz quimérico querer conduzir, frente a frente, a construção do Estado Providência, a manutenção de um nível elevado de despesas militares e uma política de força no Império. Aliás, esta apreciação realista, era tanto mais, fundamentada, pois que a Commonwealth oferecia uma estrutura de acolhimento de colónias admitidas à Independência e em que a Metrópole podia conservar a sua influência cultural e os seus interesses económicos.
--- Eis porque, em se separando, desde 1950, a pedido da Índia e do Paquistão, da sua designação de British para apenas ser a Commonwealth of Nations, esta Organização perderia o seu carácter imperial em benefício de uma Comunidade Multiracial e Linguística de que a França não soube ofertar o equivalente.
--- O Retorno dos conservadores em 1951 coincidiu, obviamente com um endurecimento repressivo (na Malásia, no Quénia, no Chipre), porém, o malogro/fracasso da Expedição de Suez, derradeira metamorfose da política canhoneira foi melhor compreendida na Inglaterra do que em França.
--- Enfim e, em suma: É, por conseguinte, num quase consenso dos partidos políticos e da opinião pública que o gabinete do então Primeiro-Ministro, Harold MACMILLAN (1894-1983) vai assumir a partir de 1957 o fundamental da descolonização africana por pouco que sejam preparadas as transições mínimas e respeitada a representação das minorias.

E, no atinente, a França, com duas guerras coloniais e uma démarche infinitamente mais renitente, existe realmente, uma especificidade da descolonização francesa.
Não que na peugada da famigerada conferência de Brazzavile (capital da actual República do Congo, ocorrida no já remoto ano de 1944), no seu repúdio “de tout système colonial fondé sur l’arbitraire”, os constituintes de 1946 não tenham sinceramente tentado inovar.
No entanto, ao lado de algumas reformas, efectivamente, inovadoras, a décalage rapidamente aparece entre a generosidade dos princípios e o tradicionalismo das disposições constitucionais, enquanto, identicamente o diálogo mudava repentinamente de direcção na Argélia, na Indochina e em Madagáscar em benefício do recurso à força.
Exagerado no culto dos fundadores de Impérios e persuadido que a posição da França estava condicionada pela sua manutenção, ao pessoal político da IVª República faltou, salvo raríssimas excepções, perspicácia e coragem, por vícios de funcionamento do regímen cuja a instabilidade crónica impedia toda a reforma de envergadura e deixava o campo livre aos lobbies de todas a espécie.
Eis porque, a Guerra da Argélia, a tendo varrido, cabe ao General Charle de GAULLE (1890-1970), que não tinha, contudo não tinha provado, aquando da Libertação de uma grande audácia, neste domínio, de virar a página da Colonização, desde que fosse (consoante ele) do interesse da França, posição expressa, outrossim e ainda, na célebre Conferência de Imprensa, em 14 de Abril de 1961, ou seja: “La décolonisation est notre intérêt, et par coséquent notre politique”.

Lisboa, 30 Setembro 2009
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista --- Cidadão do Mundo)
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