quinta-feira, 2 de abril de 2009

KWAME KONDÉ

INTERVENÇÃO TRIGÉSIMA:

“Em Setembro do ano passado fomos surpreendidos por
uma revelação teatral: nós, que pensávamos viver em um mundo
seguro, apesar das guerras, genocídios, hecatombes e torturas
que aconteciam, sim, mas longe de nós, em países distantes e selvagens,
nós vivíamos seguros com o nosso dinheiro guardado em um banco
respeitável ou nas mãos de um honesto corretor da bolsa quando fomos
informados de que esse dinheiro não existia, era virtual, feia ficção
de alguns economistas que não eram ficção, nem eram seguros, nem respeitáveis.
Tudo não passava de mau teatro com triste enredo, onde poucos
Ganhavam muito e muitos perdiam tudo.
Políticos dos países ricos fecharam-se em reuniões
Secretas e de lá saíram com soluções mágicas.
Nós, vítimas de suas decisões, continuamos
Espectadores sentados na última fila das galerias”.
Augusto BOAL
(Encenador e Formador brasileiro e Inventor do “Teatro do Oprimido”),
In Mensagem Internacional para o Dia Mundial do Teatro para o Ano de 2009.

(I) Historicamente, exprimindo, a Banca hodierna se afirmou no término do século XVII graças a um duplo “tournant”, no âmbito da história económica. E, explicitando as ideias, temos então que:
--- Em primeiro lugar, o seu mister deixou de se confundir com o dos negociantes que acumulavam uma profissão anexa de mutuante com a sua actividade principal. Com efeito, o advento da banca resultou de uma especialização decisiva no seio do sistema económico.
--- Em segundo lugar, este novo mister se colocou, logo à primeira (sem dificuldade, à primeira tentativa) a ofertar créditos muito mais do que o montante dos recursos confiados aos agentes.
De anotar, que os primeiros banqueiros entendiam, deste modo, poder corresponder às necessidades económicas que se incrementavam já sensivelmente, muito antes, aliás da fase denominada de “décollage économique”. Todavia, os riscos que assumiam necessitavam ser controlados, obviamente. Então, efectivamente apareceu o banco central. Assim, no âmbito desta dinâmica controlar o desenvolvimento é a primeira, senão, a única, das razões que impeliram a instituição dos bancos centrais da Suécia e da Inglaterra e, ulteriormente dos seus homólogos advindos na sequência.

(II) Com efeito, os primeiros bancos procuravam crédito para a sua clientela respectiva, emitindo notas análogas às que jazem nas nossas carteiras. Contudo, enquanto as nossas constituem meros direitos de tiragem a respeito dos bens e serviços disponíveis, oriundos directamente das tipografias dos bancos centrais, as primeiras notas representavam, em primeiro lugar, as espécies metálicas entregues aos banqueiros pelos depositantes. De consignar, que foi, efectivamente sobre esta base prática que o poder de emissão bancária se pôde instituir.

(III) Na verdade, há, aproximadamente três décadas atrás, ainda a banca era um organismo, exercendo o mister de colocar o dinheiro de uns (os depositantes e os economizadores) às ordens (e porque não, à discrição) dos outros (as empresas e os lares investidores e consumidores). De consignar, que este dinheiro podia ser entregue aos seus destinatários sob a forma de empréstimos ou subscrições ao capital das empresas. Eis porque, se pode asseverar que, efectivamente, a banca se situava por constituição no percurso que deve obter por empréstimo de que alguns não precisam e que outros todavia reivindicam.

(IV) Eis nos, de feito, ante o ponto primordial a reter, mesmo se as coisas eram, na sua essência, mais complexas na prática. A banca, por seu turno, desempenhava, obviamente o seu mister com o dinheiro dos outros e esta situação lhe conferia uma posição de força no seio do sistema económico. Aliás, devia, de modo que, as somas procuradas pelos obséquios lhe assegurem um rendimento suficiente para remunerar os seus depositantes e os seus economizadores, cobrir os seus encargos e libertar um provento de exploração sobremaneira dissemelhante, no seu princípio do rédito das empresas, relevando os demais outros sectores de actividade.

(V) No entanto e, antes de mais, vale a pena abordar, de forma avisada, os perigos que ameaçavam os banqueiros, no desempenho do seu mister respectivo. Ou seja:
a) O primeiro era o que se prendia com a questão da insolvência do mutuante, perigo que, aliás, ameaça todo o emprestador.
b) O segundo perigo decorria do risco de levantamento das espécies, que lhes tinham sido confiadas, espécies metálicas, numa primeira fase, espécies fiduciárias, num fase ulterior.
Deste modo, evidentemente, o papel dos brancos centrais, face aos perigos, ora enunciados, consistiu em enquadrar a actividade de empréstimos dos banqueiros, oferecendo-lhes, concomitantemente uma determinada caução. Nesta dinâmica, os banqueiros foram autorizados a emprestar junto deles (referindo-se obviamente, aos bancos centrais), em caso de dificuldades transitórias. E, simultaneamente, as notas que eram títulos de créditos privados representativos das espécies metálicas depositadas neles, emitidos sob a sua responsabilidade, se “pressentiram”estarem a substituir títulos de pagamento universais directamente emitidos pelo banco central.
De referir, outrossim, que enquanto os bancos comerciais puderam, entretanto, se aplicar, mais comodamente no desempenho da sua actividade de mutuantes, os bancos centrais assumiram o título oficial de institutos de emissão, acentuando o seu monopólio na matéria. Demais, outrossim e, ainda, reforçaram progressivamente as suas intervenções e participação respectiva na dinâmica da economia, ofertando liquidez aos bancos comerciais, no limite fixado pelas suas próprias reservas em metais preciosos, até ao que este limite terminasse por desaparecer, por seu turno. De feito, foi transpondo estas dissemelhantes etapas que o sistema bancário assumiu a sua parte, essencial, na expansão económica destes três derradeiros séculos.

(VI) Assim, desde então, a fortiori, a actividade tradicional da banca comercial passou a ser analisada, soit disant, “metodologicamente”, como uma tarefa dupla (de mediação e de transformação), inseparáveis, uma da outra. Deste modo, por um lado, a banca actuava como grossista (negociante por grosso), “comprando” ou “armazenando” a moeda que os agentes económicos entendiam, quer manter na tesouraria, quer fazer frutificar. E, por outro, emprestava a prazo, enquanto a massa principal das suas disponibilidades podia ser recuperada a cada instante pelos seus depositantes, obviamente.

Lisboa, 29 Março 2009
KWAME KONDÉ
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