sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

KWAME KONDÉ

INTERVENÇÃO DÉCIMA SEXTA:


O TERMO “Diáspora”apareceu no Século III a.C., pela ocasião da tradução grega da Bíblia hebraica, tendo-se tornado, na sequência lógica do seu percurso evolutivo, um vocábulo-chave da nossa época.

Utilizado pelos Estudiosos e investigadores, os mass media e os actores políticos, conhece hodiernamente uma expansão tal que múltiplas são as suas acepções respectivas, ao ponto de desafiar toda a tentativa de uma definição consentânea.

De feito, de sublinhar, por outro, que contemporaneamente, todo grupo migrante, quer se trate de um povo, de uma comunidade religiosa, de uma categoria profissional (futebolistas, cientistas, ausentando-se para trabalhar no estrangeiro) parece merecer esta denominação.

Etimologicamente expressando, o vocábulo “Diáspora” é um lexema grego, estabelecido à partir do verbo heleno diaspeirô cujo o uso foi certificado no Século V a.C. pelo dramaturgo grego, SÓFOCLES (cerca de 496-406), o historiador heleno, HERÓDOTO, ou, outrossim, por um outro historiador grego, TUCÍDIDES (cerca de 470-400). Todavia, o uso actual se encontra vinculado ao emprego do termo, na tradução para grego da Bíblia hebraica por setenta (70) eruditos judeus de Alexandria: a famigerada Bíblia dos Setenta (Século III a.C.). Aí, “Diáspora” é utilizado doze (12) vezes.

Na verdade, efectivamente, “Diáspora” é apenas um vocábulo. E, como todos os vocábulos só serve, aliás, para denotar uma parcela da realidade, nem sempre idêntica por cada vez que se o utiliza. Em nenhum caso, não é o que denota, ao ponto que o vocábulo sozinho, baste para descrever o que ele exprime. Demais, outrossim e, ainda, não existe fenómeno que seja “Diáspora” independentemente de cada um dos casos particulares e, autonomamente, do uso do lexema “Diáspora” e dos seus “correspondentes” em dissemelhantes idiomas.

De anotar, que, a utilização actual deste vocábulo, por mais contraditório que possa ser, coloca questões vinculadas à migração voluntária ou involuntária dos povos, à manutenção ou à recomposição de identificações com um país ou com um torrão de origem, à existência de comunidades, reivindicando o seu vínculo à um lugar ou, pelo contrário, a sua existência destacada no espaço. De feito, não deixa de ser verdadeiro que a história de determinados povos parece pleitear à favor da sua singularidade em relação aos demais outros.

De consignar, que utilizado no conjunto das suas acepções, como uma noção “Janus”, “Diáspora”encara o passado e o porvir. Convida, outrossim e, ainda a pensar a dispersão, quer como um estado de privação, quer como um estado de completamento. Destarte, num caso como noutro, se encontra a origem.

Com efeito et pour cause, actualmente, permite congraçar, no seu horizonte semântico, concomitantemente os reptos da modernidade e da sobre-modernidade: pode, deste modo, pôr em evidência, a raiz como o rizoma; a persistência no tempo e no espaço como a emergência de novas formas de tempo e de espaço; as lógicas do Estado e do Território como o seu desaparecimento; a imobilidade da identidade ou a sua constante transformação; todas espécies de identificações. Do mais local ao mais lato (human diáspora), passando por todas as formas possíveis de comunidades; a globalização por cima como por baixo; o mundo antigo ou o mundo vindouro.

“Diáspora” foi um substantivo/nome próprio, na Bíblia dos setenta, um quase-nome próprio, isto é, uma categoria hermética para os Arménios, os Gregos, os Africanos…Todavia, presentemente, um nome/substantivo comum. Sim, seguramente, um vocábulo/nome que fala e canta por si!

Posto isto, vamos prosseguir, então, mais em pormenor, o nosso Estudo sobre a problemática da “Diáspora”.
(1) A despeito das divergências iniciais acerca do uso do termo “Diáspora” um determinado número de Critérios, estreitamente conexos, definindo o que é uma “Diáspora”estão, contudo, reservados, por uma maioria de autores.
(2) O primeiro critério a ter em conta, diz respeito ao espaço. De feito, para ser reconhecida como “Diáspora” é necessário que a dispersão de um povo ou de uma parcela de um povo se faça sobre os territórios de um grande número de países, eles mesmos, mais ou menos, afastados, uns dos outros. De anotar, que o espaço da diáspora é um espaço descontínuo, o que não exclui, antes pelo contrário, reagrupamentos espaciais, ao nível local.
(3) Sem ser determinante, o critério número, não é a menosprezar completamente, pois que, com efeito, toda “Diáspora” supõe uma migração colectiva numericamente importante e não se confunde, ipso facto, com uma mera acumulação de migrações individuais sucessivas.
(4) Por seu turno, o critério duração é, assaz determinante, pois que só existe formação de diáspora na sequência de um longo processo. De feito, uma “Diáspora” para se constituir, necessita de várias gerações e, eis porque, só é reconhecível e identificável a posteriori. Além disso, esta duração é geradora de uma diferenciação social no seio de cada colectividade formando a “Diáspora”. De sublinhar, que este critério permite distinguir as diásporas das simples migrações de mão-de-obra, caracterizadas por uma heterogeneidade social relativamente débil.
(5) Donde, se pode assentar lucidamente que, efectivamente, “Diáspora” designa um estado, mais ou menos, permanente de dispersão, que vai a par com um determinado enraizamento nas sociedades de acolhimento. E, precisando, adequadamente, temos que, no plano da organização social, a existência de uma “diáspora” implica, outrossim a manutenção ou a reconstituição de vínculos de solidariedade, usualmente pela implantação, ao nível local e regional, de estruturas associativas, religiosas ou culturais e pelo estabelecimento, no âmbito supranacional, de redes de permutas entre os dissemelhantes pólos do espaço diaspórico. Deste modo, obviamente, Multipolaridade e Interpolaridade constituem duas características indissociáveis de toda diáspora.
(6) Na verdade, concretamente, o que fundamenta os vínculos de solidariedade internos e externos dos dissemelhantes grupos constituindo uma “Diáspora,”é uma consciência identitária comum de natureza étnica, que participa de uma representação da colectividade disseminada, como formando uma entidade que partilha uma idêntica história e uma mesma cultura. Importante consignar, que, na realidade, não existe, por conseguinte, “Diáspora”, na verdadeira acepção, sem uma memória colectiva incessantemente mobilizada.
(7) De anotar, outrossim e, ainda, que por esta identificação se manifesta uma rejeição da assimilação, facto que não impede existir um determinado grau de aculturação e uma real integração na sociedade de estabelecimento. Esta rejeição, ora enunciada, no caso concreto de uma diáspora, é menos uma forma de racionalização da impossibilidade objectiva da assimilação, por causa da marginalização sofrida, que a manifestação de uma reivindicação identitária particular que se traduz por práticas culturais diferenciadas.
(8) Enfim, consoante os autores, a noção de “Cultura de diáspora” é pensada dissemelhantemente. Ou seja:
a. Para uns, esta se caracteriza por uma fidelidade rigorosa à cultura do País de origem, por conseguinte, pelo conservadorismo e o tradicionalismo. É a continuidade que predomina.
b. Para os outros, ao inverso, é profundamente original, sincrética e inovadora. Neste caso, a descontinuidade prevalece.
Deste modo, na realidade, conforme os casos , os dois modelos podem se encontrar e, por vezes, mesmo, uma associação dos dois.

Lisboa, 01 Janeiro 2009.
KWAME KONDÉ