quarta-feira, 19 de novembro de 2008

KWAME KONDÉ

Intervenção Quinta:

Da Mundialização/Globalização:

Nota Prévia:


Na verdade e, na realidade, a globalização não é a Mundialização!
Com efeito, a Mundialização são fluxos, movimentos. Existe, pelo menos, desde o fim do século XIX, em que as permutas se intensificaram e a economia se internacionalizou.
Por seu turno, a Globalização é um fenómeno recente, se enquadrando, no princípio de uma mutação radical, obviamente, económica e financeira, sobretudo, outrossim, humana: a integração e a inter-conexão tornaram tal que cada um, hodiernamente, deve viver quotidianamente ao nível local, com laços territoriais e uma identidade cultural, ciente do Sentimento de pertencer à globalidade do Mundo.
De anotar, finalmente, que esta enunciada tensão entre o local e o global caracteriza, em última análise, a Globalização.

(1)---Efectivamente, durante o Século XX pretérito, o Estado nação se afirmou como a forma política dominante nos quatro cantos do Planeta. A guerra-fria e a Política das grandes Potências só fizeram consolidar esta hegemonia. No Terceiro mundo, a propensão para o reforço do Estado, até mesmo, a sua pura e mera importação, caracteriza o Período pós-colonial. Ora, desde, aproximadamente, quatro (4) lustros, este modelo de governação, que envolve, outrossim, uma representação unitária do colectivo sobre um território delimitado, se encontra no centro de todos os debates no atinente à Globalização.

(2)---Assim, no âmbito desta dinâmica, uma das questões que acode à memória, incessantemente, diz respeito ao Destino do Estado-nação. Os adeptos das teses globalistas vêm na sua debilitação um traço marcante da mutação que se iniciou no término do século XX pretérito. Por sua vez, os seus adversários se desculpam com esta tese declinista e clamam, alto e bom som, que a forma estatal, em análise e apreço, longe de se encontrar enfraquecida, possui ainda, lindos dias, perante si e pode se tornar o instrumento eficaz das novas dinâmicas internacionais. E, para discernir o acesso deste debate, necessário se afigura ter sempre presente no espírito que estamos ante algo que coloca, frente a frente, de cada lado, teóricos e “profissionais da política”, cujo o discurso se apresenta não unicamente como uma verificação autenticada, outrossim porém, respeitante ao modo preditivo, tendo cada qual em consideração, a evolução do estado de coisas vigente e a perspectiva de um melhoramento dos dispositivos institucionais.

(3)---De feito et pour cause, um pouco por toda a parte, se faz notar à que ponto a Figura do Estado-nação se encontra, assaz debilitada, com a abertura dos mercados. Cada vez mais, as praças financeiras parecem estar transformado no Centro dos dispositivos do Poder e tudo se passa como se as evoluções da economia mundial delimitassem a margem de decisão oferta aos governantes. Este debilitamento das soberanias é inseparável de uma tomada de consciência colectiva do enfraquecimento de capacidades de regulação, enquanto, do mesmo modo, os mercados impõem, cada vez mais, a sua influência/acção sobre o funcionamento das nossas sociedades. Eis porque, ipso facto, se pode falar dum autêntico “retrait de l’Etat”, indo alguns mesmo a encarar o óbito desta forma de organização social.
De consignar, que nesta dinâmica, o que é seguro, é que os Governos nacionais têm visto a sua esfera de iniciativa diminuir, a olhos vistos. Com efeito, o Estado sofre actualmente de uma diminuição do seu poder, porquanto a expansão das forças transnacionais reduz o controlo dos Governos individuais sobre as actividades dos cidadãos e dos outros povos. Outrossim, por seu turno, a mobilidade crescente dos capitais induzida pelo desenvolvimento dos mercados financeiros globais transforma o equilíbrio dos poderes entre o Estado e mercado e gera pressões sobre o Estado para desenvolver políticas favoráveis ao mercado, limitando os deficits públicos e a protecção social, a baixa do imposto, a privatização e a desregulação do mercado do trabalho.
Neste contexto, os domínios tradicionais da actividade estatal (defesa, economia, Saúde, lei e ordem) não podem ser aprontadas sem institucionalizar formas de colaboração multilateral. Outrossim, verifica-se uma assimetria entre as autoridades que exercem os Estados sobre a Sociedade e a sua influência/acção limitada sobre a Economia no interior mesmo do seu território. Este se encontra, deste modo, inevitavelmente enfraquecido pela integração acelerada das economias nacionais numa “Economia global do mercado”.

(4)---Destarte e, por razões assaz óbvias, esta situação, ora expendida, mina o Estado-nação, efectivamente.
E, para uma melhor explicitação do nosso pensamento e raciocínio respectivo, vale a pena trazer à colação, os ensinamentos da lavra dos antropólogos norte-americanos, Jean e Jonh COMAROFF (da Universidade de Chicago) exarados na interessante obra científica: “Millenal Capitalism. First thoughts on a Second Coming” (2000). Ou seja: Segundo estes conceituados antropólogos/sociólogos a Situação analisada corrói efectivamente o Estado-nação por três razões, designadamente:
---Os Estados-nações perderam o controlo da moeda e das permutas. Neste domínio, a noção de fronteira se avoca, cada vez menos, pertinente;
---As firmas transnacionais já não possuem sítio e lugar estáveis e podem se instalar, onde querem;
---Uma divisão transnacional emergiu com os trabalhadores ilegais atravessando as fronteiras, em grande escala.
Deste modo, tudo se passa, aliás, como se a Globalização tivesse mudado as regras do jogo. Donde e daí, a acumulação flexível e a hegemonia do capital financeiro incrementaram ainda mais a dependência económica e, nos casos dos países em desenvolvimento, as políticas de ajustamento estrutural impulsionadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) contribuíram para limitar as margens de manobra dos Estados nacionais. Pode-se acrescentar, que os Estados estão, cada vez menos, habilitados para desempenhar um papel redistributivo, pois escasseiam actualmente recursos suficientes e, mais ainda, concretamente, no Terceiro mundo, onde os programas de afinação estrutural e as medidas de austeridade contribuíram para os reduzir consideravelmente.
Empecido por forças intergovernamentais e transnacionais, o Estado hodierno inscreve a sua acção em dinâmicas regional e global e, desta forma, o seu devir queda inseparável deste tecido de interacções. Eis porque, se tem, por conseguinte, de se haver com uma verdadeira dessacralização das soberanias, na medida em que as políticas públicas estão profundamente condicionadas por realidades económicas e financeiras dificilmente domáveis à escala das nações. E, se se raciocina, então, concretamente, em termos de territorialidade, necessário, se afigura, outrossim, tomar a sério, a extraordinária expansão das colossais metrópoles do Capitalismo transnacional, estas autênticas e verdadeiras “cidades globais”, onde se concentra uma parte importante do poder económico global, que aí se encontra insanamente valorizado.
De salientar, outrossim e, ainda, que um outro elemento que parece concorrer para o enfraquecimento dos dispositivos estatais tradicionais é a formação de grandes unidades/conjuntos, integrando regiões inteiras do Globo, nomeadamente: a União europeia (EU), o Mercado comum do Sul (MERCOSUL) e a ARENA na América; Associação de Nações do Sueste Asiático (ASEAN), Ásia-Pacific Economic Cooperaton (APEC), na Ásia.
De anotar, que aí se pode apreciar o delineamento de modelos de governação mais adaptados às exigências do global e à complexidade dos novos desafios/reptos. Por seu turno, o crescimento das organizações inter-e transnacionais, das Nações Unidas e das suas agências respectivas aos grupos de pressão e movimentos sociais, tende a alterar a forma e a dinâmica do Estado e da Sociedade civil. Enfim e, em suma, de salientar, que o Estado se converteu numa verídica arena de policy-making fragmentada, penetrada pelas redes transnacionais.

(5)---Prosseguindo, avisadamente, temos, deste modo, que a Globalização está, outrossim marcada pela instauração de Políticas supranacionais num quadro regionalizado. Vejamos, então:
a)-Neste sentido, a União europeia constitui exemplo paradigmático, pois que desenvolve concomitantemente formas de cooperação intergovernamentais, outrossim, porém, uma verdadeira política comunitária em âmbitos como a Agricultura e as Políticas regionais, com designadamente a criação ou o reforço de redes económicas transfronteiriças.
b)-Demais, identicamente, na América e no Pacífico, se vê intensificar as iniciativas diplomáticas inter-regionais. Entretanto, no plano internacional, se encontra longe dos meados do século XIX, em que se se contentava com duas ou três conferências inter-estatais, enquanto actualmente se conta por milhares, por ano.
Eis porque, finalmente, no fundo, no fundo, a necessidade de acções multilaterais aparece francamente ditada pelas exigências de cooperação, no âmbito da matéria de Segurança em áreas tão dissemelhantes como a “luta contra o terrorismo”, os traficantes de droga, a imigração ilegal ou a pedofilia. De feito, realmente, um Estado sozinho dificilmente pode fazer frente isoladamente à estes problemas. Outrossim, o Unilaterismo e a neutralidade já não constituem estratégias de defesa credíveis, pois que as instituições de Segurança, globais e regionais assumiram uma importância nova. Identicamente, as Indústrias militares implicam formas de co-produção e de cooperação transnacionais que materializam as joint ventures, as alianças, a subempreitada. Aliás et pour cause, face à Globalização da violência, a segurança nacional tornou um assunto multilateral. Sim, efectivamente, o que se encontrava no cerne da actividade estatal, só se pode realizar se os Estados trabalharem conjuntamente.
Enfim e, em suma: ora actualmente, a necessidade das cooperações trans-governamentais, por um lado, a escalada em potência das solidariedades interestaduais transfronteiriças, por outro, concorrem para limitar as ambições do Estado. Por conseguinte, como se pode compreender, o que funciona, evidentemente, é uma forma de governação pública estratificada (multilayered public governance), com dissemelhantes polaridades globais, regionais e locais. Esta, por seu turno, deve se harmonizar com o desenvolvimento das “autoridades” privadas, :das organizações não governamentais (ONGs), fundações, think tank, associações comerciais, sindicatos do crime. E, eis porque, enfim, não constitui um mero acaso, se toda uma série de programas que relevavam do Estado Providência foram privatizadas, subempreitadas às ONGS.

E, para rematar adequadamente e, em conformidade, se o Estado sobrevive, não menos se olvidou das suas pretensões em ser o único centro de toda regulação. Eis que tange o dobre da soberania e se inaugura, então, a Era do Estado pós-soberano, ampliado e inscrito num processo mais amplo da regulação complexa e estratificada. E, assim, se reforça o papel da Sociedade Civil, sendo o vínculo exclusivo, entre território e Estado, quebrado. Desta forma, se implantaram níveis de governação que se estendem para o interior e para além das fronteiras. Demais, no âmbito desta dinâmica, novas formas de política multilateral e global foram, outrossim, estabelecidas, constituindo, por conseguinte, a rede de actividades, algo assaz denso, intervindo em novos fóruns, que são, na verdade, a ONU, o G8, o FMI, a OMC ou a EU, enfim!...

Lisboa, 14 de Novembro de 2008

KWAME KONDÉ