quarta-feira, 20 de agosto de 2008

AS CAMPAÍNHAS DA MISÉRIA

Vai por aí um coro obsceno de palavras lançando lama e vergonha sobre os atletas portugueses presentes nos Jogos de Pequim, só porque aquelas mulheres e aqueles homens não cumpriram os “objectivos” constantes de um contrato-programa assinado em 2005 entre o COP (Comité Olímpico Português) e o Governo.

Ao que se diz e parece, os dirigentes estão todos a sacudir a água do capote ― com Vicente de Moura, o presidente do COP, a ser o mais duro ― lançando toda a responsabilidade do falhanço sobre os atletas.

Mas aqueles dirigentes não dizem que para muitos deles irem a Pequim pavonear-se e laurear a pevide (é que muitos deles não estão lá a fazer nada de nada), não tiveram pejo em deixar em Portugal alguns treinadores que, estes sim, poderiam fazer alguma coisa na China para ajudar os atletas a não se perderem entregues a si próprios.

Seria bom ler o texto do famigerado contrato-programa publicado em Diário da República em Abril de 2005 para se ficar a saber que no mesmo se promete o “imprometível” e se compromete com o “incumprível”. 

Assim, o COP compromete-se a obter «cinco classificações no pódio»; «12 classificações até ao 8.º lugar»; e a «conquista de 60 pontos». Diz-se lá isso como se se conhecesse as capacidades e a evolução dos melhores atletas de todo o mundo para se afirmar que os atletas portugueses iriam classificar-se neste ou naquele lugar e iam trazer para casa 60 pontos, etc., etc..

O que se conclui é que talvez os maiores culpados de tudo isso sejam os dirigentes que, com a cabeça na lua, verteram para o papel um chorrilho de fantasias “vendendo” ao Governo um contrato-programa fantasioso e ridículo como se de coisa séria se tratasse.

Fala-se em 14 milhões de euros que terão sido gastos em quatro anos no projecto olímpico como se isso fosse uma fortuna colossal desbaratada impunemente por um grupo de raparigas e rapazes irresponsáveis, pândegos e dorminhocos que terão prometido vencer os Jogos e acabaram vencidos com desculpas várias. Não se diz que os 14 milhões foram distribuídos por federações, clubes, atletas, treinadores e despesas do próprio Comité.

Não se diz quanto se gastou com os atletas e quanto desbarataram as federações, os clubes e o COP e respectivos dirigentes, em deslocações, telefones, alojamento, almoços e jantares, transportes e outras coisas mais.

Se se desse essas informações talvez se concluísse com propriedade para quem foi a parte de leão dos 14 milhões.

Os jornalistas mais uma vez alinham logo com os dirigentes e fazem de caixa-de-ressonância das diatribes que vão ouvindo aqui e ali. Mal pagos e mal preparados, preguiçosos como sempre, não fazem o mínimo trabalho de escalpelização da situação para apurarem onde está a verdade, preferindo antes andar de um lado para o outro a “ouvir” este e aquele; o espectador, o gato e o cão da vizinha.

Vimos vice-campeões olímpicos de outros países bem mais destacados do que Portugal em termos de responsabilidades olímpicas serem “miseravelmente” eliminados precocemente nas provas em que concorriam e nem por isso tocaram as campainhas da miséria nos respectivos países.

É só aqui que se assiste a este triste exercício de mesquinhez e inveja.

Fez muitíssimo bem o Secretário de Estado do Desporto, Laurentino Dias, ao declarar à imprensa:

«Não faria um contrato com essas condições. Porque nós só devemos contratar e subscrever aquilo pelo qual somos responsáveis. Não é o comandante Vicente Moura quem corre, salta, joga, nada... Percebo essa vontade da parte do Comité Olímpico, das federações e atletas de corresponderem com resultados desportivos àquilo que é um esforço do país, mas nunca traduziria em cobrança de medalhas o esforço que o país fez, preparando ou dando meios financeiros para preparar a missão olímpica.»

Haja ao menos alguém responsável com a cabeça no lugar.