A senhora Ministra da Saúde falou ontem no Parlamento e disse coisas muito importantes que importa serem meditadas e retidas. É por isso que um Ministro da Saúde deve sempre ser médico, ser competente e ser honesto. Neste caso temos uma Ministra que preenche aqueles requisitos. Que, com conhecimento inequívoco de causa, sabe ver o que a rodeia: as manhas e os truques existentes à volta do “negócio da saúde”; as negociatas instaladas e superiormente protegidas em conluios de gabinetes ao mais alto nível; os gatos que se vendem por lebres no sector privado; o suga-suga permanente do Serviço Nacional de Saúde e do erário público pelos privados que ciganamente se apresentam como salvadores da Saúde em Portugal; as falhas gritantes de segurança em áreas cruciais existentes nos privados ― é por isso que a ministra disse que «em caso grave não iria para um hospital privado»; porque sabe que lá as hipóteses de sobrevivência são menores ou inexistentes em certas áreas dos cuidados de emergência ―.
Quem comparar o discurso da actual Ministra da Saúde com o de Correia de Campos (igual ao do seu antecessor, Luís Filipe Pereira) fica convencido que foi todo um Governo que mudou tal a diferença radical existente entre eles (Sócrates deve estar atónito com a actual Ministra ― se por um lado quer dar aos privados o que eles reivindicam; por outro não tem como fazê-lo se é a própria ministra da tutela que se recusa a colaborar no crime em que consistiria o desmantelamento e extinção do Serviço Nacional de Saúde universal e tendencialmente gratuito que existe ainda em Portugal); de um lado as estatísticas, os números, o negócio, o benefício dos privados, o desmantelar obsceno do sector estatal (que é património das pessoas, dos portugueses todos); do outro lado a preocupação com as pessoas, a defesa do bem comum, o olhar profissional, responsável, patriótico até, sobre aquilo que é uma das maiores conquistas dos cidadãos portugueses: o Serviço Nacional de Saúde.
Reproduzo na íntegra a notícia do Diário Digital sobre as declarações da Ministra na Assembleia da República.
A ministra da Saúde assumiu hoje no Parlamento que não iria a um hospital privado em caso de acidente grave, defendendo que este sector só deve funcionar como complemento do serviço nacional de saúde (SNS). Ana Jorge referiu-se, ainda, às irregularidades detectadas pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde nas salas de parto privadas.
Perante diversas críticas, a ministra perguntou a um deputado se iria a um hospital privado em caso grave, adiantando: "Eu não iria". A titular da pasta da Saúde acrescentou que no sector público tem de haver condições para "tratar situações graves e não só".
Ana Jorge falou ainda da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) que investigou 25 salas de parto não públicas e detectou algumas irregularidades e situações "muito heterólogas" a nível do número de partos e da existência de serviços. De acordo com a ministra, as entidades avaliadas serão notificadas nas próximas semanas e "até ao final do ano a IGAS irá avaliar o cumprimento das indicações e serão tomadas as medidas correspondentes".
Falando na Comissão Parlamentar de Saúde sobre o pagamento adicional das cirurgias oftalmológicas, Ana Jorge indicou, ainda, que "a contratualização interna será uma forma de rentabilização" da acção dos profissionais do SNS. "Se não se fizer isso, o que resta ao SNS é fechar as portas? Quem iria garantir a formação, a equidade de serviços, quem iria tratar doentes com traumas?", questionou a ministra.
Segundo Ana Jorge, o SNS também tem de ter bons profissionais, "parâmetros de qualidade" e a capacidade de incentivar e dar ânimo aos profissionais para desenvolver a sua actividade e a investigação.
A ministra tinha já anunciado hoje – durante a apresentação do Relatório Primavera 2008, do Observatório Português dos Sistemas de Saúde, que alerta para a saída de muitos profissionais para o sector privado – que o governo pretende aumentar o número de médicos no sector público da Saúde através da abertura de mais vagas nas universidades, da identificação de estudantes portugueses no estrangeiro e da contratação de médicos de outros países.
Segundo o relatório “daqui a poucos anos não haverá recursos humanos para manter o serviço público de saúde” pois verifica-se “falta de atenção pelos profissionais”. Além disso, os autores do documento adiantam que "não são de certeza as formas contratuais que pouco a pouco se vão instalando nos hospitais públicos que vão criar condições para a fixação de profissionais necessários ao serviço público".
Perante estas conclusões, a titular da pasta da Saúde lembrou que se está, neste momento, "a sofrer as consequências do número diminuto de alunos que entrou para as faculdades de Medicina nos anos 80 e no início dos anos 90, ao mesmo tempo que se faz sentir um número elevado de pedidos de reformas antecipadas, a que legitimamente os profissionais têm direito".
De acordo com a governante, está a aumentar "o número de alternativas para o exercício privado da medicina, principalmente nos grandes centros urbanos, que se tornam financeiramente atractivas para os médicos, enquanto permanece a indefinição do seu futuro profissional no sistema público".
Já o presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP) defendeu hoje que compete ao Estado disponibilizar os cuidados de saúde e não obrigatoriamente prestá-los, numa reacção às conclusões do relatório do Observatório Português dos Sistemas de Saúde. O relatório considera que a oferta privada dos serviços de saúde é "geralmente de maior qualidade", mas apenas viável porque o Estado a financia "quase na sua totalidade", em vez de investir no sector público.
Teófilo Ribeiro Leite referiu-se também à Lei de Bases da Saúde onde está "inequivocamente expresso que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) congrega o próprio SNS bem como os prestadores privados e os sociais". Com base nestas explicações, Teófilo Ribeiro Leite disse não ter ficado surpreendido com a conclusão do relatório, aconselhando o seu autor a ler a Constituição e a Lei de Bases da Saúde. O presidente da associação garantiu, por outro lado, que a instalação e equipamentos das "unidades privadas de saúde têm sido implantadas com financiamento de capitais próprios". Os custos dos tratamentos têm sido suportados pelos "privados públicos, 20 por cento por utentes com seguros de saúde e ainda por entidades convencionadas".