No Dia do Pai as minhas filhas ofereceram-me “O Crocodilo que Voa”, uma colecção de entrevistas ao escritor Luiz Pacheco.
Conhecedoras que são da minha apreciação do espírito libertário natural de Luiz Pacheco, não hesitaram na escolha do livro.
Creio que o compilador do material publicado, João Pedro George, ter-se-á inspirado no título de um texto inacabado e não publicado, de Luiz Pacheco, “O Caso do Bife Voador”, texto esse que o escritor define como Anti-Comunidade (que era para «mostrar o desagregar da comunidade»), para dar asas a este Crocodilo.
Por ser hoje 6ª feira de Paixão e por ser o dia da morte de Cristo; aqui fica a resposta de Luiz Pacheco à pergunta de Baptista Bastos: «E vontade de matar alguém, já tiveste?» que lhe foi feita por este numa entrevista, em Abril de 1994.
― Oh, caramba!, isso, então, nem se fala! Matar é fácil!
― É fácil?
― É fácil, pois. O pior é a polícia, as consequências. E aqui vou dizer uma coisa: não matei o meu pai por uma unha negra. Estive para agarrar num aparelho de rádio, que ele tinha à cabeceira, e atirar-lho à cabeça, à careca, e desfazia-se tudo, ia careca, ia cabeça. Tudo com as rodinhas e as baterias do aparelho. Estou à vontade para dizer isto, e não tenho remorsos porque não fiz, e ele percebeu que ia matá-lo. Gravei isto há dias e está gravado na minha cabeça desde 1960, 1961, imagina!, há trinta e tal anos! Matar alguém é um perigo, ter uma arma é um perigo. Como sou fraco, não penso em matar alguém, mas conheci muitos assassinos no Limoeiro, onde estive por três vezes; na prisão das Caldas da Rainha, onde estive por duas vezes, e cá fora, conheci assassinos, até profissionais, fardados e à paisana, os tipos da PIDE, e eram tão bons rapazes!... Agora, alguns recebem pensões «por serviços distintos»! Isto dá o índice deste país. Até dá vontade de matar o gajo que fez o despacho, o Governo que o aprova e as pessoas que o admitem. É melhor calar-me.