Isto da proibição do tabaco, melhor dizendo, da proibição de fumar em (quase todos os) lugares públicos, tem que se lhe diga; e muito se tem dito acerca da justiça ou injustiça contida na decisão da proibição de fumar vertida nesta lei que vai entrar em vigor já no próximo dia 1 de Janeiro.
Há tomadas de posição para todos os gostos, umas de excelente estilo e perspicácia, que vale a pena ler, outras menos interessantes (ou mesmo pacóvias), quer contra, quer a favor da lei anti-tabaco. E em quase todas as tomadas de posição encontrámos razões de sobra para as mesmas.
O problema é bicudo porque se trata de um caso de Direito. E todos os casos de Direito são bicudos porque as leis se aplicam a todos por igual ― sendo nós todos diferentes.
Mas acalmai, ó fumadores! A História trabalha para vós. A “bicudeza” deste problema sofrerá o devido tratamento que oito séculos de História ensinaram ao povo português: em pouco tempo não haverá bicos nem arestas na lei, ela ficará redonda e lisinha que nem uma bola de bilhar.
Sempre foi assim, e assim será. Vereis!...
É um pouco como aquela história do controlo de presença de funcionários públicos através da leitura de parâmetros biométricos. Essa treta tem à sua volta tantas almofadas, alçapões, corredores, portas e janelas por onde se pode escapar à sua pretensa eficácia “controleira”, que o melhor mesmo era não se ter gasto tempo e dinheiro na sua implementação. É que até diminui a produtividade, acreditem que é verdade.
Mas é bonito ver esta gente toda a trabalhar nas leis, nos regulamentos, nas normas. São contributos interessantes para arquivar um dia nas estantes da Torre do Tombo.
É o português no seu melhor. Faz leis bonitas, exigentes e aparentemente eficazes; mas o diabo é que sobra esperteza e tradição suficientes para entortar de tal forma a lei que ela acaba por ficar inútil de tão domesticada e domada pela sociedade em geral.
Portanto, corações ao alto, ó fumadores! Isto só vai durar dois dias. Depois confiem na sabedoria popular e na tradição portuguesa segundo a qual:
As leis não são para se cumprir; são para se tornear e entortar.
Eu, sendo embora contra baforadas de fumo nas minhas ventas (e também nas ventas alheias); mas sendo também um estudioso (embora medíocre) da História de Portugal, dentro das minhas possibilidades e conhecimento, de há muito aplico em minha casa esta medida: quem quiser fumar que vá para a cozinha, feche a porta e ligue o exaustor. Perderá o convívio no resto da casa, é certo, mas sei que se vai matar com prazer e a bendizer-me.
Isso deixa-me em paz porque, integrado que estou na sociedade portuguesa, sinto-me a contribuir para o andamento perfeito da máquina histórica portuguesa.
Viva Portugal!