sexta-feira, 30 de novembro de 2007

EM DIA DE GREVE

Leia este prefácio de um livro actual de Jacques Attali.

«Estamos hoje a decidir o que o mundo será em 2050, a preparar o que ele será em 2100. A nossa forma de agir determinará se os nossos filhos e os nossos netos viverão num mundo habitável ou se terão de lidar com um inferno, odiando-nos por isso. Para lhes deixarmos um planeta em condições dignas, é necessário pensar o futuro, compreender de onde ele vem e como agir sobre ele. É possível: a História obedece a leis que permitem prevê-la e conduzi-la.

A situação é clara: as forças do mercado assumiram a liderança do planeta. Expressão última do triunfo do individualismo, esta marcha vitoriosa do dinheiro explica em larga medida os mais recentes sobressaltos da História, que tentámos acelerar, recusar, dominar.

Se esta tendência seguir o seu curso, o dinheiro acabará com tudo o que pode fazer-lhe frente, incluindo os Estados, que destruirá progressivamente, mesmo os Estados Unidos da América. Tornando-se a lei única do mundo, o mercado dará origem àquilo que designarei como um hiperimpério, inatingível e de amplitude planetária, criador de fortuna e miséria extremas; a natureza será hipotecada; tudo será privatizado, inclusive as forças armadas, a polícia e a justiça. O ser humano viverá equipado com próteses, antes de se tornar ele próprio um artefacto, vendido em série a consumidores que se vão por sua vez transformando em artefacto. Depois, tendo-se tornado inútil às suas próprias criações, o homem desaparecerá.

Se a humanidade recuar perante este futuro e interromper a globalização através da violência, antes mesmo de se libertar das suas alienações anteriores, cairá numa sucessão de barbáries regressivas e batalhas devastadoras, utilizando armas hoje impensáveis, num conflito entre Estados, grupos religiosos, entidades terroristas e piratas privados. Chamarei esta guerra de hiperconflito. Um tal cenário poderia também levar ao desaparecimento da humanidade.

Por fim, se a globalização puder ser contida sem ser recusada, o mercado puder ser circunscrito sem ser abolido, se a democracia puder ser instituída em todo o planeta sem se desvirtuar, se se puder pôr fim ao domínio de um império sobre o resto do mundo, então veremos surgir um novo horizonte de liberdade, responsabilidade dignidade, superação e respeito pelo outro. A essa possibilidade darei o nome de hiperdemocracia. Este sistema conduzirá à formação de um governo mundial democrático e de um conjunto de instituições locais e regionais. Permitir-nos-á também, mediante uma reinvenção das fantásticas potencialidades das tecnologias futuras, chegar a uma situação de gratuitidade e abundância; aproveitar de forma equitativa os benefícios da imaginação do mercado; proteger a liberdade tanto dos seus próprios excessos como dos seus inimigos; deixar às gerações vindouras um ambiente mais bem protegido; fazer nascer, através de todos os saberes do mundo, novas formas de viver e de criar em conjunto.

Poderemos, assim, contar a história dos cinquenta anos que seguem: antes de 2035, assistiremos ao declínio do império americano provisório como todos os que o antecederam. Depois, veremos surgir, uma após outra, as três vagas do futuro: hiperimpério, hiperconflito e hiperdemocracia. A priori duas vagas fatais. Uma terceira a priori impossível.

Estes três futuros virão, sem dúvida, misturar-se; já se encontram interligados.

Acredito que, por volta de 2060, possa triunfar a hiperdemocracia, forma superior de organização da humanidade, expressão última do motor da História: a liberdade.»


Este remate final do prefácio ― a manifestação de crença no triunfo da hiperdemocracia ― que acabámos de ler, destina-se, no meu entender, a animar o leitor; a dar-lhe alguma esperança no futuro. Para além disso, é “politicamente correcto” escrever isso.

Mas eu estou com Jacques Attali naquilo que ele pensa mas não escreve taxativamente: o futuro vai ser mas é muito lixado para a humanidade. Não vai haver hiperdemocracia nenhuma; e esta é talvez a "vaga" que ele acha a priori impossível.

Como Jaime Nogueira Pinto expressou um dia num debate televisivo, também eu «não acredito na bondade do ser humano».

Nota: Recomendaria este livro àqueles membros do Partido Socialista que ainda se dedicam à leitura (e aposto que Manuel Alegre já o leu); que ainda acreditam que o cérebro humano serve para alguma coisa: para fazer escolhas políticas, por exemplo.