DO CONTROLO DA TELEVISÃO
De um artigo escrito por Umberto Eco, no jornal italiano, La Repubblica, em Janeiro de 2004, respigo (retirando embora do contexto) as seguintes passagens (com sublinhados de que assumo a inteira responsabilidade) para meditação de quem ainda consegue meditar.
«A última afirmação de Berlusconi («ninguém lê jornais, mas toda a gente vê televisão») foi interpretada com a habitual cegueira da cultura de esquerda e classificada como mais uma das suas insultuosas gafes. Só que não era nenhuma gafe: era um acto de arrogância, mas não era nenhum disparate.
Nos dias que correm, os jornais podem dizer o que bem lhes apetecer, porque a chave do poder reside no controlo da televisão.
Este é um dado de facto, e os dados de facto são por natureza independentes das nossas preferências.
Parti destas premissas para sugerir que as ditaduras do nosso tempo, a existirem, têm de ser ditaduras mediáticas e não políticas. Há quase cinquenta anos, escreveu-se pela primeira vez que, salvo os casos de alguns países remotos do Terceiro Mundo, já não eram precisos tanques para se fazer cair um governo: bastava ocupar as estações de rádio (a última pessoa a ignorar este facto foi Bush, líder terceiromundista que por engano chegou ao governo de um país altamente desenvolvido). Agora, o teorema foi demonstrado.
A diferença entre um regime mediático e um regime como o fascista é que no segundo toda a gente sabia que os jornais e a rádio só transmitiam informações vindas do governo, e que não se podia ouvir a Rádio Londres, sob pena de prisão.
Num regime mediático em que, digamos, dez por cento da população tem acesso à imprensa de oposição enquanto o resto recebe as notícias através de uma televisão controlada, vigora, por um lado, a convicção de que é permitido discordar e, por outro lado, o efeito de realidade causado pelo impacte da notícia televisiva leva a que só se saiba e só se acredite naquilo que diz a televisão.
Uma televisão controlada pelo poder não tem necessariamente de censurar as notícias.
O problema é que se pode instaurar um regime mediático pela positiva, dando a impressão de que se diz tudo. Basta saber como dizê-lo.
O que a televisão de um regime mediático faz é recorrer ao artifício retórico da «concessão».
A televisão funciona desta maneira. Quando se discute uma lei, a televisão enuncia-a e dá de imediato a palavra à oposição, com todos os seus argumentos. Depois volta a transmitir o ponto de vista dos defensores do governo, que objectam contra as objecções da oposição. O resultado persuasivo é invariavelmente o mesmo: o último a falar tem sempre razão. Sigam com atenção os telejornais, e verão que a estratégia é esta: a seguir à apresentação do projecto, nunca aparecem em primeiro lugar os apoiantes do governo e, em segundo, as objecções da oposição. É sempre ao contrário.
Um regime mediático não tem necessidade de mandar prender os opositores. Não os reduz ao silêncio através, mas fazendo ouvir as suas razões em primeiro lugar.»
Quem quiser ler na íntegra o artigo de Eco, tem-no aqui; é só clicar e ler. Advirto que vale bem a pena fazer a leitura integral desse artigo.