Depois de cerca de dois anos da introdução em larga escala dos medicamentos genéricos em Portugal, convém dizer duas ou três coisas que se afiguram de alguma importância para se tentar perceber algo até agora foi pouco, mal, ou não explicado sobre o tema.
Peguemos apenas em dois aspectos essenciais, um deles óbvio, e vejamos se somos capazes de os entender:
a) O óbvio: Os medicamentos genéricos são mais baratos que os medicamentos originais vulgarmente identificados como “de marca”;
b) Ninguém, até agora, está em condições de nos afiançar com toda a certeza que a eficácia terapêutica dos medicamentos genéricos é idêntica à dos medicamentos originais;
Especula-se que o preço mais baixo dos genéricos se deverá, entre outras coisas, ao corte das despesas de “publicidade” e marketing dos genéricos junto da classe médica e do público; despesas que não se terá dispensado relativamente aos medicamentos “de marca”.
Tendo começado por ser isso verdade, esta realidade está a mudar rapidamente pois os medicamentos genéricos já contam praticamente com a mesma “publicidade” e o mesmo marketing que envolvem os medicamentos “de marca”. Portanto, não será certamente por aí que parece haver poupança.
Será então na preparação e no fabrico, isto é, pela via da mão-de-obra; e pelo investimento em menos máquinas e menor sofisticação no fabrico, que os genéricos se tornam mais baratos?
Também não parece sê-lo.
Sem recomendar que se ponha a mão no fogo por todos eles, e em todas as circunstâncias ― pois que no comércio, como bem sabemos, não há cem por cento de virgens puras ―, não se crê, contudo, que os laboratórios descurem aspectos essenciais da segurança e rigor na produção dos genéricos buscando com isso reduzir os custos e baixar os preços. Os medicamentos genéricos serão certamente fabricados com os mesmos requisitos de segurança e o mesmo rigor que os medicamentos “de marca” (salvo, é certo, situações de fraude detectadas, por exemplo, na Ásia ― mas não é disso que estamos a tratar).
Sem a veleidade de avançar com estimativas percentuais, dizemos que entre os médicos há muitos com a opinião de que o segredo da baixa de preços estará (não só, mas também) no facto não provado (daí ser pura especulação) de os medicamentos genéricos não conterem os mesmos excipientes encontrados nos respectivos medicamentos “de marca” copiados, contendo embora igual dose da substância activa destes. Esta opinião empírica (colhida normalmente em conversas informais) é encontrada maioritariamente entre médicos que julgam ter falhado terapêuticas por aquilo que classificam como menor eficácia terapêutica de medicamentos genéricos prescritos aos seus doentes.
― Também existem opiniões contrárias de muitos outros médicos para quem os genéricos substituem na perfeição os medicamentos “de marca” ―.
Dediquemos por isso alguma atenção aos excipientes.
A composição dos excipientes é um dos segredos mais bem guardados da indústria farmacêutica, a qual gasta biliões na sua investigação; indústria que não é obrigada, por exemplo, a publicar a composição química dos excipientes nas bulas e nas embalagens dos medicamentos. Repare que quando há referência a isso, costuma ler-se apenas a frase «excipiente q.b.», isto é, excipiente quanto baste. E nem sempre se dá a conhecer a composição do excipiente.
Não sabemos se os fabricantes são obrigados a fornecer a toda a concorrência “genérica” a fórmula dos seus excipientes quando caduca o registo de uma patente de um medicamento e este passa a poder ser copiado, fabricado, sem licença, por outro laboratório; contudo não cremos de todo que essa obrigação exista.
Vejamos agora com muita simplicidade o que é um EXCIPIENTE e que importância tem ou não tem num medicamento.
O excipiente, resumidamente, é uma substância que é incluída na, que se adiciona à, composição do medicamento, e cujo papel fundamental e essencial é conservar e servir de veículo à substância activa, ao fármaco, para que este viaje, sem se degradar pelo caminho, do local onde é introduzido no organismo (aparelho digestivo, músculo, veia, etc.) e seja levado pela corrente sanguínea até aos locais onde se pretende que actue: órgãos, tecidos e células ou microrganismos (em casos de infecção).
Em linguagem mais técnica, os excipientes servem para garantir a biodisponibilidade dos medicamentos. Umas vezes o excipiente é uma substância inactiva corriqueira como o talco ou o açúcar, por exemplo, outras trata-se de substâncias activas complexas.
Fácil parece, então, poder inferir-se que um bom excipiente garante a total ou quase total biodisponibilidade de uma determinada dose de fármaco administrado a um doente; enquanto um excipiente menos bom, ou mesmo mau, não permitirá que um fármaco administrado a um doente chegue em doses terapêuticas ao seu alvo e exerça assim a acção esperada.
Sabendo que quem vende não vende para perder dinheiro;
Sabendo ainda que laboratórios que fabricam medicamentos “de marca”, também fabricam genéricos dos seus próprios medicamentos, e os vendem mais baratos que aqueles;
Você é convidado a ter a sua opinião sobre o fenómeno.
Agora atenção! Que esta nossa reflexão não seja vista como uma campanha contra os medicamentos genéricos. Havê-los-á (genéricos), certamente, de boa qualidade. E não podemos afirmar que os haverá de má qualidade.
Mas que se trata de uma questão parecida com aquela da existência das bruxas...