O saudoso poeta, Jorge Barbosa, contou um dia uma deliciosa história passada na ilha da Brava entre o poeta Eugénio Tavares e um presidente da Câmara Municipal conhecido por “nhô Lepéu” (senhor Lepéu).
Contava Jorge Barbosa:
Nhô Lepéu era um homem simples e muito limitado intelectual e culturalmente; mas era um homem bom e honesto, características estas que certamente levaram o governador da província a nomeá-lo presidente da câmara [é assim mesmo: até ao 25 de Abril de 1974, os presidentes de câmara eram nomeados pelo governador. Não havia eleições]. Ora bem, certo dia nhô Lepéu aparece em casa de Eugénio Tavares e tem com o poeta mais ou menos esta conversa:
― Senhor Eugénio, venho cá porque estou numa grande aflição. Depois de muito pensar achei que só o senhor Eugénio é que me pode valer. Acontece que o governador vem visitar a Brava e eu tenho que fazer um discurso de boas-vindas. Mas como o senhor Eugénio sabe, eu não tenho capacidade para fazer um bom discurso. E como o senhor Eugénio me conhece muito bem, e conhece ainda melhor a Brava e os seus habitantes, eu venho pedir-lhe que me salve nesta situação. Venho pedir-lhe que me escreva um bom discurso para eu ler.
― Oh... nhô Lepéu, se eu lhe escrevesse um bom discurso, toda a gente iria ver que não era o senhor o seu autor; é melhor que seja o senhor a escrevê-lo como souber que o governador não se vai importar com isso.
― Não, não, senhor Eugénio. Eu não quero passar por vergonhas. O senhor é um homem inteligente e sei que é capaz de escrever um discurso que pareça a toda a gente que tenha sido escrito por mim. Um discurso que contenha coisas que toda a gente possa ver que saem de dentro de mim. O senhor conhece-me e sei que o senhor é capaz, senhor Eugénio.
― Ó nhô Lepéu, «déntu di nhô, só si for um pêdi».(*)
(*) Dentro de si, só se for um peido.
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