Aí há tempos fui a um hospital público de Lisboa “tirar sangue” para umas análises. Chegado ao local deparei-me com uma pessoa amiga que lá trabalha.
Passadas várias semanas, novo encontro fortuito nos colocou face a face. Ao que o meu amigo me diz: «falei com o médico que viu as tuas análises e ele disse-me que estava tudo bem».
― Vejam só: com que autoridade é que foi falar ao médico?!...
Felizmente estava «tudo bem», pensei eu. Porque se não estivesse «tudo bem» ― se eu tivesse um cancro ou estivesse infectado com o vírus HIV, por exemplo ― Já hoje todo o mundo sabia.
O que moveu o meu amigo na procura (indevida e ilegal) de informação sobre as minhas análises, não foi amizade ou solidariedade; não foi sequer a vontade de ser prestável para me dar uma informação importante em primeira mão (e a prova disso é que não ma deu na altura em que a teve), até porque sabia muito bem que eu teria acesso privilegiado e rápido a essa informação. Mas creio que me contactaria de imediato caso eu tivesse qualquer coisa grave que lhe desse o prazer de me comunicar em primeira mão.
O que moveu o meu amigo foram duas coisas básicas que existem dentro da larga maioria dos seres humanos (dos seres humanos menos “trabalhados”): uma, a curiosidade mórbida de descobrir aquilo que é suposto ser sigiloso; e outra, o desejo inconsciente, mórbido e sádico de que haja doença séria nos outros para que, confrontando essa realidade com o seu estado de plena saúde, possa sentir-se privilegiado e feliz por nada sofrer no momento. Os doentes serão, assim, para essas pessoas, um motivo de felicidade.
E gostam de dizer aos outros: «Já sabes? Fulano tem cancro na próstata, coitado».
Mas o que querem mesmo dizer é:
«Fulano tem cancro na próstata E EU NÃO. Yupiiiiiii...»
P.S. Por acaso hoje até estou doente. Estou com gripe. Mas espero festejar, bebendo e dançando, a passagem do ano.