domingo, 21 de maio de 2006

RDP ANTENA 2

UMA CORRESPONDÊNCIA EDIFICANTE

Eis uma breve correspondência entre um ouvinte anónimo (eu) e o senhor director-adjunto da Antena 2, Sr. João Almeida.


Email de protesto enviado por mim:

«A quem de direito na Antena 2:

Basta dessa diarreia de palavras; dessa incontinência verbal permanente; desse desfiar ininterrupto de historietas sem interesse, cheias de banalidades – basta desse atentado anticultural que, salvo raríssimas excepções, se está a perpetrar quotidianamente aos microfones da Antena 2 da RDP.

Queremos música erudita!

Não queremos palavras, palavras, palavras!

Não queremos o lixo palavroso que nos tem sido servido!

Chega! Estamos todos fartos de sofrer com a situação actual da Antena 2.

Manda a mais pequenina réstia de bom senso que quem de direito dê uma varridela profunda na Antena 2 e lhe devolva a dignidade que já teve e que deve continuar a ter.»

Resposta do senhor director-adjunto [Com três chamadas de atenção, da minha responsabilidade, para erros ortográficos contidos no texto]:

«Senhor ouvinte.

Com que direito fala na 1ª pessoa do plural? "Queremos"? "Estamos todos"? Quem o nomeou ou mandatou para se apresentar como representante de todos? Porque se acha no direito de representar todos os ouvintes? Que presunção é essa? Porque não demonstra alguma modéstia e diz antes "quero", ou "estou farto"? Fique sabendo que não pensam "todos" como o senhor.
E mais: fique sabendo que NENHUMA rádio estatal clássica se comporta como rádio gira-discos. TODAS têm locução, ocupando com palavra, em média, cerca de 25% do tempo de antena (dados da UER - União Europeia de Rádios). A Antena 2 tem, ao longo de um dia, em média, 20% da emissão ocupada com locução. As rádios que têm menos tempo de locução são privadas e baseiam-se em play-lists(1), ou seja, são máquinas, e não pessoas, que escolhem a música. O senhor, obviamente, não gosta de ouvir falar porque já sabe tudo o que há para saber, e não precisa de (ou não quer que) ninguém que lhe diga nada. Mas, sendo esse o caso, escolha o senhor a sua própria música. Use CD's. A Antena 2 não se dirige a quem tem a certeza de que sabe tudo e não quer ouvir ninguém a falar. Dirige-se aos outros, que não conhecem tudo, ou pelo menos não têm essa presunção... e têm curiosidade em saber mais.
A Antena 2 feneceu ao longo de anos, com o auditório a envelhecer, tendo a média de idades passado de 45 para 55 anos ao longo de uma década. Isto quer dizer que eram sempre os mesmos a escutar, e que íam(2) envelhecendo, ou até morrendo, sem que a A2 mobilizasse as novas gerações. Os últimos estudos de audiências (ao longo do último semestre) comprovam que o auditório da A2 rejuvenesceu, com a média etária dos ouvintes a passar dos 55, de novo, para os 45 anos, e com tendência para rejuvenescer ainda mais. Significa que o auditório está a mudar, com pessoas mais jovens, algo que o deverá certamente enervar, já que o senhor, claramente, não gosta do nosso tempo. Problema seu. Não queira é impôr(3) o seu parâmetro aos outros, nem ter a pretensão de que representa todos... porque na verdade, simplesmente, só se representa a si próprio.

Passe bem.

João Almeida»


[ (1) Escreve-se playlists e não “play-lists”]
[ (2) Escreve-se iam (sem acento agudo no “i”) e não “íam”]
[ (3) Escreve-se impor (sem acento circunflexo) e não “impôr”]


Contra-resposta minha:

«Senhor João Almeida:

A sua resposta ao meu protesto merece-me a seguinte contra-resposta:

Quem preza a Língua Portuguesa sabe que o uso da primeira pessoa do plural pode ser feito por qualquer sujeito individual quando este pretende retirar a um texto ou fala a carga de arrogância que o uso da primeira pessoa do singular lhes transmitiria. Faça este exercício simples e conclua por si: pegue no texto do meu protesto e substitua o plural pelo singular e veja a diferença. Não que o texto que lhe enviei não continuasse, mesmo assim, a ser arrogante; mas, lendo a sua resposta, se calhar, o senhor mereceria que o tivesse escrito na primeira pessoa do singular.

Mesmo sem "nomeação" ou "mandato" sempre lhe vou dizendo que se estivesse minimamente atento ao que se escreve (nos blogues, por exemplo) admitiria que eu pudesse, falando no plural, como ouvinte, interpelar "quem de direito na Antena 2" (não a si pessoalmente) sobre aquilo que no meu entender (e, pelos vistos, não só no meu) é o mar de palavras sem interesse que hoje afoga a música nessa rádio.

Só lhe vou dar dois exemplos, entre muitos (com sublinhados meus):

Exemplo I

No dia 04-01-2006, Pacheco Pereira escrevia o seguinte no blogue "Abrupto":»

«BOAS COISAS NA COMUNICAÇÃO SOCIAL PORTUGUESA EM 2005, VISTAS POR UM GRANDE (EM QUANTIDADE) CONSUMIDOR
...

PÉSSIMAS COISAS NA COMUNICAÇÃO SOCIAL PORTUGUESA EM 2005, VISTAS PELO MESMO»
...
«A Antena 2 é demasiado loquaz. Muito se fala naquela rádio, num tom entre o pedante e o falsamente íntimo, tirando limpidez à música. »

«Tem aqui o link para confirmar:
http://abrupto.blogspot.com/2006_01_01_abrupto_archive.html
#113640941290714023

Exemplo II

No dia 11-01-2006 Álvaro José Ferreira escrevia o seguinte no blogue "Bem Comum":»
...
«Admito que a Antena 2 precisasse de alguns ajustamentos de modo a torná-la menos temática e mais ecléctica (a exemplo do canal 3 da BBC Radio), mas parece-me que há uma forma mais adequada e eficaz de conquistar novos públicos para o canal do que fazer cedências à facilidade.
...
Talvez com esta grelha a Antena 2 venha a conquistar alguns dos tradicionais ouvintes da Antena 1 que não se revêem na programação musical que vem sendo implementada. É provável que as audiências subam, mas haverá certamente a fuga de alguns melómanos mais exigentes e exclusivistas da música clássica. Talvez os ouvintes que venham a ser conquistados ultrapassem em número os que vão desertar, mas há uma questão que se impõe: não estará a Antena 2 a desempenhar agora uma parte do papel que caberia à Antena 1?»

« Nota: Estando a RTP e a RDP sob a alçada da mesma administração, e tendo a obsessão com as audiências sido abandonada na televisão, não entendo ela estar a ter a sua máxima expressão na rádio. Tal dever-se-á ao facto da rádio ter menos visibilidade e, como tal, ser descurada pelo poder político? Se alguém tiver uma explicação verosímil, faça o favor de ma dar.»


«Tem aqui o link para confirmar:
http://bemcomum.blogspot.com/2006/01/nova-grelha-da-antena-2-entrou-em.html

Como vê, não estou só.

Certamente não ignora que ainda existem tertúlias em Portugal. Pois então digo-lhe que eu frequento tertúlias onde se debate música e onde se tem falado da programação da Antena 2. É um direito dos ouvintes. Por isso sei o que é que pensam muitas outras pessoas sobre a desvirtuação que a programação da Antena 2 tem sofrido no sentido da sua aproximação qualitativa a um baixo patamar cultural. E também por esta razão julgo também poder falar no plural.

Diz-me que estão a fazer isso para captar mais público jovem. Olhe: aconselho-o a ler "Apocalípticos e Integrados", de Umberto Eco, para conhecer a opinião deste ilustre intelectual e linguista de renome internacional, entre outras coisas sobre a transmissão de conhecimentos eruditos ao grande público. Ficará a saber que Eco é de opinião que quando se quer transmitir conteúdo erudito a alguém não se deve transigir na linguagem (que deve sempre ser erudita) pois que, quando esta não é entendida logo à primeira, obriga o destinatário a cultivar-se até que a compreenda e passe, por isso, a ser um pouco mais culto do que era – quer porque passou a compreender essa linguagem, quer ainda porque passou a ter mais conhecimentos veiculados por essa mesma linguagem (conhecimentos só passíveis de serem bem transmitidos se se não fizer «cedências ao facilitismo»).

Mas se a grande preocupação dos gestores da Antena 2 vai continuar a ser a procura desesperada de (qualquer) audiência, então dou-lhe uma receita infalível: transmitam programas desportivos e antenas abertas sobre o desporto; transmitam relatos de futebol com música erudita nos intervalos. Vai ver que conseguirão captar, num instante, uma larguíssima fatia de ouvintes.

Agora permita-me que lhe diga o quão desiludido fiquei com a qualidade da sua resposta.

Fui saber quem o senhor era e disseram-me que é o director-adjunto da Antena 2 (se me informaram mal peço desculpas).

Então, senhor director-adjunto, é assim, desse modo ligeiro, pesporrente e auto-suficiente, que se permite, no exercício do seu cargo, dirigir-se a um ouvinte anónimo que faz um protesto (indignado embora) contra uma rádio que considera palavrosa e pouco culta? (Rádio que fora, até há pouco tempo, na opinião desse ouvinte, de muito melhor qualidade).

É assim que se responde?

Eu não me dirigi a si pessoalmente. Eu dirigi-me a "quem de direito na Antena 2". Que esse "quem de direito" seja o senhor, muito bem! Mas quando me responde de forma pessoal, sem se identificar do ponto de vista profissional, nos termos ligeiros e pouco dignos em que o faz, desqualifica-se profissionalmente (é a minha opinião) e dá uma péssima imagem da cúpula que hoje dirige a Antena 2.

Não sei se o Conselho de Administração da RDP ficaria contente em conhecer o texto integral do meu protesto e o da sua resposta.

Creio que, no mínimo, ficaria desapontado. Consigo, senhor director-adjunto.

Não sei se quer fazer essa experiência. Quer? É uma hipótese a considerar.

Vá por mim, senhor director-adjunto: quando ocupamos cargos de chefia, ainda por cima ao nível de director ou de director-adjunto, devemos ter estofo suficiente para engolir certos sapos e continuar a dar uma imagem polida do cargo, mesmo quando somos atingidos por aquilo que consideramos injusto (e, em certos casos, até, ofensivo). Devemos alardear superioridade moral (de preferência devemos tê-la efectivamente). Não devemos perder a cabeça e desatar à pancada com cada protestante. É que o senhor é pago também para ser polido e educado

Poderá dizer-me que eu não tenho o direito de fazer o protesto nos termos em que o fiz. Até posso concordar consigo neste aspecto e pedir desculpas. Mas eu sou apenas um simples e anónimo ouvinte e contribuinte fiscal com algum direito à indignação quando acho que esse bem público que é a Antena 2 está a morrer no seu propósito de veicular adequadamente música erudita (ou isso já não faz parte dos estatutos dessa rádio?). Mas o senhor, no cargo que ocupa, está-lhe vedado, deontologicamente, ser malcriado. É que, sendo-o, mancha logo o nome da Antena 2; e o da RDP. Ou será que isso não interessa?!

Para terminar quero ainda dizer-lhe que continuarei a lutar para a melhoria substancial da qualidade da programação da Antena 2, e por uma maior dignificação dessa rádio. Não ficarei pelo protesto que enviei a "quem de direito". Se for preciso chegar mais longe, tentarei consegui-lo. Porque a Antena 2 não é de ninguém em particular. É de todos.

Passe também muito bem.»