terça-feira, 6 de janeiro de 2009

AMILCAR CABRAL

NOTA PRÉVIA
O meu querido amigo (e colaborador deste blogue) Francisco Fragoso (Kwame Kondé), escreveu um poema de homenagem e exaltação à memória de Amílcar Cabral, cujo publico a seguir juntamente com a “apreciação crítica” ao mesmo, da autoria de Russell G. Hamilton, Professor, emérito, da literatura dos PALOP.




AMILCAR CABRAL!

Canto Primeiro:

Eis que, então, numa remota Noite de Lisboa,
Quiçá triste, quiçá ledo,
Ébrio, recordo, recordamos
Do Canto da Tchim Tabari,
Parindo o teu País, o nosso País
Com fórceps da tempestade.

CABRAL,
Omi d’Afrika,
Homem Africano,
L’Homme d’Afrique,
African Man!
Valente Cavaleiro do batuque,
E do funáná.
É verdade que duvidas do nosso Bosque Natal,
Das nossas vozes roucas, dos nossos corações
Que remontam mordazes,
Dos nossos olhos de grogue, vermelhos,
E das nossas Noites ígneas e flâmeas?

(Quiçá
que as chuvas do Exílio
tenham retesada a pele do Tambor
da nossa voz, da tua voz!).

Cabral!...Cabral!...Cabral!...
Acuso, acusamos
Os maus modos do nosso sangue.
É erro nosso
Se a borrasca se levanta
E nos desaprende inopinadamente contar pelos dedos
E saudar efusivamente?

Sim, efectivamente,
O Sangue é algo que vai, vem e retorna…
E, o Nosso suponho (supomos) nos reconcilia se for protelado
Após alguma macumba.
Que faire, Cabral, que faire, L´Homme d’Afrique ?
Sin, kuse ki nu debe fase,
Cabral, Omi d’Afrika?
Na verdade, o Sangue é um Verbo Poderoso!

Na bardadi, Sangui e un Verbu Pudiros!


Canto Segundo:

CABRAL, Amílcar Cabral,
O Poema não é um trapiche.
Não, efectivamente, não!...
Pois que,
Se as rimas são moscas nos pântanos, sem rimas
Toda uma estação
Longe dos pântanos,
Nós te fazemos justiça:
Rimos, bebemos e desertamos…

Nobre Coração!

Na nouca o Colar de Comandante da Lua
Em torno do braço o rolo bem anelado
Pelo laço do Sol.
E, o teu peito, tatuado, como uma das feridas da Noite.
Outrossim, então,
Recordo (recordamos)…lucidamente…

Camarada e companheiro
CABRAL, Omi d’Afrika!
É seguramente um problema muito grave (?)
As conexões da Poesia e da Revolução.
O fundo condiciona a forma!
Le fond conditionne la forme!

E se avisasse, outrossim do Desvio dialéctico
Para que a forma assumisse a sua desforra
Como uma acácia maldita sufoca o Poema.
Porém, não
Não onero (não oneramos) da conexão,
Pois que
Preferimos contemplar a Primavera. É a Revolução
se assumindo exactamente, se assumindo,
se assumindo…
se assumindo…
e as formas que se protelam
nos nossos ouvidos, trauteando,
copulando o Novo que no horizonte arvora,
comendo os rebentos
de férteis besouros exterminando a Primavera…


Canto terceiro:

Eh, Armun!
Frére!
Brother!
Irmão!
Para ti, instrui (Instruímos-te) em Pássaro
Ave gleba d’África para intacto atravessar
A mais escaldante
Das areias do deserto, do nosso Deserto.
Ave coliou d’África para abortar as artimanhas
Dos matagais e desafiar o motejo
Da floresta:
Libertador de aréqua
Poupa aprumada de um Orgulho súbito,
Pois que sabias voar…voar Alto…Alto.
Majestoso Migrante!
Sabias voar longe,
Sobretudo, Alto e bem alto,
Enlaçando de um só relance de olhos,
Até à sua mais remota parcela
O nosso Património hereditário!
Notre patrimoine héreditaire!
Our Genetic inheritance!

Inspector dos sem herdeiros,
Testador das fidelidades
acolhendo apenas Intimidade quotidiana
com as esperanças desatentas e
as vastas recordações
cujo o favor nigelava no vazio ou dormia no reverso,
a Graça lendária de cada um dos teus gestos,
os nossos gestos…os nossos gestos… os nossos gestos…

Oh! Estela obsídia da Memória!
Stèle obsidienne de la Memoire!


Homem do reescrito
Homem viril e robusto oriundo das nossas abruptas rochas.

E a Egrégia Mensagem,
Cabral, Amílcar Cabral de sempre…sempre…sempre…
Através do pó dos confins
E do ventre e da vaga
Tu a tens em cima da cabeça, sempre…sempre…sempre…
Na extremidade do braço fora do lodo e da lama,
à bout de coeur
para além do Medo,
Fiel à ordem íntima, evidentemente…

Canto Quarto:

Eu, Amílcar Cabral,
Sou um simples Africano,
Cumprindo o meu dever
No meu próprio País,
No contexto do nosso tempo.

Sin mi, Amilkar Kabral
Ami e un sinplis afrikanu
Ta kunpri si diver
Na si propi pais,
Na kondison di nos tenpu.

Amílcar…Amílcar…Amílcar Cabral,
Homem do Grito de Trovão, do grito de revolta,
Homem Africano
Homem Universal
Homem do Grito Planetário!

Cabral…Cabral…Cabral…
A nossa Nobreza é, evidentemente não
Dominar o nosso Povo,ser
Porém, o seu Ritmo e
Coração;
Não de apascentar as terras, quiçá como o grão de milho
Apodrecer na terra, na tera burbur,
Na tera bufa-bufa…
Não se assumir a condição de cabeça do Povo,
Sim, efectivamente
a sua boca
e o seu Búzio anunciador dos Novos Tempos.

Enfim,
Quem poderá, te cantar, se não for o teu Irmão de Sangue?!
Tu, Cabral, meu irmão negro,
Nosso Irmão Negro
De mãos quentes, deitado, estendido
Sob a areia e a morte…

“L’AUBE TRANSPARENTE D’UN JOUR NOUVEAU”
Aurora transparente de um Novo Dia !

Sim,
O Canto vasto do teu Sangue vencerá…
A tua palavra palpitante os sofismas e
Mentiras.
Nenhum ódio a tua alma sem ódio,
Nenhum artifício
A tua alma sem artifício.

Oh! Mártir Negro, raça imortal, deixa-me
Deixa-nos
Asseverar as palavras que perdoam…

Dorme…Dorme…Dorme…
Pois que,
A nossa voz, as nossas vozes te embala.
Irmão Negro, a nossa voz de cólera que embala a Esperança!
Guerrilheiro cuja boca é flor que, altaneira canta.
Oh! O deleite de viver após o Inverno!...
(Oh! Délice de vivre aprés l’Hiver !)
Te saúdo, Cabral,
Te honoramos, Cabral
Como autêntico Mensageiro da Paz Universal !

Sangue, Sangue
O Sangue Negro
Do meu Irmão, do nosso irmão, dos nossos Irmãos,
Macula (maculam) a inocência dos nossos lençóis,
Das nossas mantas…
És (Sois) o suor onde banha a minha angústia
(a nossa angústia)
(as nossas angústias).
És (sois), sim,
O sofrimento que eurouquece a minha voz
\ (a nossa voz)
(as nossas vozes).
E o meu coração,
O nosso coração, os nossos corações
Que clama(m) ao Azur e ao arbítrio de…

Não, não, CABRAL
Não és um morto gratuito,
Ô Morto! Não…Não…Não!...
O teu Sangue não é a água tépida.
Espesso asperge a nossa Esperança
Que medrará no Crepúsculo.
Não, não sois um morto gratuito. Tu, cavaleiro valoroso, um morto qualquer…Oh, Não…Não…
És (sois) testemunha (Testemunhas) da África Imortal.
Sim, sim (autênticas) Testemunhas do Mundo Novo que será amanhã (o Porvir) em todo o
Planeta, evidentemente!...

Lisboa, 17 de Novembro de 2008.
KWAME KONDÉ



Uma apreciação crítica do poema “Amílcar Cabral!”

O poema foi composto para ser recitado no Exercício Dramático, apresentado, a 2 de Dezembro,2008,em Lisboa pelo grupo cénico TCHON DI KAUBERDI. Eu não tive o prazer de assistir o estectáculo, mas quando recebi uma cópia impressa do poema eu vi imediatamente que era de ser lido em voz alta. Pois o próprio titulo do poema é uma exlamação a ser enunciada pelo leitor. E todos os versos fazem parte de uma evocação melodicamente verbal do saudoso Amílcar Cabral.
Kwame Kondé, com uma voz tanto colectivista (nós) como intimista (eu), dirige-se evocativamente a Amílcar Cabral (tu) e a seus camaradas (vós), também falecidos. Na sua evocação de Amílcar Cabral a personagem poética primeiro caracteriza o famoso fundador e líder do PAIGC como um “Omi d’ Afrika”. E nota-se que além de crioulo (kriolu) o poeta também identifica Amílcar Cabral como africano em portuguës, francês e inglês (“Homem Africano”, “L’Homme d’Afrique” e “African Man”). Nos quatro “Cantos” que compoem o poema, Kwame Kondé apropriadamente identifica Amílcar como um nacionalista e também um pan-africanista. Portanto, além de ser de Cabo Verde e Guiné-Bissau, Cabral também conhecia Angola e países da África francofona, como a República de Guiné e Senegal. O poema também revela, por linguagem evocativa, que Amílcar Cabral chegou a visitar diásporas africanas em váreas partes do mundo. Consta-se que ele cultivava a sobrevivência de tradições africanas na Europa, especialmente Portugal, mas também na França. E Cabral visitou vários países com diásporas africanas no Caribe e nas Américas—e.g. Cuba,Brasil e os Estados Unidos.
O poema evoca Amílcar Cabral como um diplomata africano plurilingue, pois ele dominava tais idiomas internacionais como francês e inglês. Posso verificar que as suas visitas aos Estados Unidos nos anos 1960 e 1970 tiveram um efeito sumamente diplomático com respeito a uma visão international da independência, já ganha e iminente, das colônias europeias em África. Ao ler várias estrofes do poema sob consideração eu me lembrei que em Outubro de 1972, durante uma visita aos Estados Unidos, Amílcar Cabral foi convidado a dar uma palestra em inglês, intitulada “The Role of Culture in the Struggle for Independence” (O Papel da Cultura dentro da Luta pela Independência), em Lincoln University, uma universidade historicamente afro-americana no estado de Pennsylvania. Nessa ocasião Amílcar Cabral foi conferido o título de Doutor Honoris Causa.
Convém notar que durante as suas viagens no exterior, ao enfatizar a importância da sobrevivência de tradições africanas, algumas sendo linguística e culturalmente crioulizadas, nas suas palestras Amílcar Cabral referia-se ao papel da expressão literária na luta pela independência. E a obra de Kwame Kondé evoca Amílcar Cabral, o poeta que contribuiu qualitativa, se não quantitativamente, à nascença da literatura cabo-verdiana e, aliás, de todas as então colônias portuguesas em África. Nota-se que Kwame Kondé inicia o “Canto Segundo” com estrofes referentes às “conexões da Poesia e da Revolução”. Certamente tais ligações fazem parte da sua evocação poética de Amílcar Cabral, o poeta.
Nas últimas estrofes do Canto Quatro— a palavra “canto” sendo uma referência tanto à poesia épica como à lírica—as contribuições históricas feitas por Amílcar Cabral são reconhecidas por Kwame Kondé com uma força essencialmente evocativa e gratificante. Trata-se de contibuições feitas pelo “cavaleiro valoroso”. E como declara Ildo Lobo na sua canção muito conhecida e apreciada, “Cabral câ morri”.
Concluo esta apreciação crítica por citar os últimos versos do poema lirica e epicamente evocativo, nos quais Kwame Kondé faz a seguinte confirmação esteticamente elaborada e filosoficamente convicente:
“És (sois) testemima (Testemunhas) da África Imortal./ Sim, sim (autênticas) Testemunhas do Mundo Novo que será amanhã/ (o Porvir) em todo o/
Planeta, evidentemente!

Russell G. Hamilton
Professor, emérito, da Literatura dos PALOP