sexta-feira, 6 de julho de 2012

(7º) Estudo ensaístico Sétimo:



(1)           Se transportarmos (presentemente), a nossa atenção sobre a Teoria da raça, LOCKE (nos parece), desfraldar a mesma estratégia de alternância e de alteração recíproca dos regímenes de pensamento.
(2)           Com efeito, a estrutura racista da sociedade americana, como numerosas outras sociedades ocidentais, é (de feito), uma realidade incontornável (que revela), todo (em conjunto), a influência das relações sociais. A tarefa que incumbe (desde então) ao intelectual Negro não  poderia se limitar à denunciar nem à desconstrução do racismo. Trata-se (mais concretamente), de favorecer a evolução das mentalidades e precipitar (destarte), a abolição de certas e determinadas práticas e (ao mesmo tempo), desenvolver uma nova lógica social.
(3)           Eis porque (et pour cause), o primeiro esforço de LOCKE vai consistir (de modo correto, evidentemente), em refutar as concepções dominantes e (designadamente), as diversas teorias racistas que apreendem a raça como uma realidade (fundamentalmente), biológica e que lhe atribuem (aliás), características psicológicas e mentais (resolutamente), fixas e invariáveis. Na verdade, no pensamento do escritor e diplomata francês, Joseph Arthur, conde de GOBINEAU (1816-1882), o Spencerismo social e as outras teorias racistas que dominam na época, no âmbito das Ciências Humanas e da Biblioteca colonial, o pensador Afro-americano pode (facilmente), reconhecer a marca/cunho do regime dominante. Na sua lógica reedificante e na sua obsessão da permanência ou da hierarquia, este último interfere (com efeito), com o regime turbulento e a sua afirmação de um estrito paralelismo entre o corpo e o espírito.
(4)           Perante os preconceitos racistas e pseudo científicos, Antropólogos, como o americano, Franz BOAS (1858-1942), ou o seu discípulo, MELVILLE HERSKOVITS (1895-1963), empreenderam (por certo), desembaraçar o Naturalismo da invariabilidade e da hierarquia dos tipos Humanos (BOAS...). Nesta perspectiva, os utensílios da Antropometria lhes serviam (sobretudo), para demonstrar relevantes mudanças físicas sobrevindas de uma geração à outra entre os imigrantes ou os Negros dos Estados Unidos. No âmbito da estrita lógica do paralelismo, mudanças mentais e desenvolvimentos intelectuais tornavam-se (então), quão possíveis como plausíveis.

(5)           Se (ele), se aferra (ele mesmo), no regime turbulento, com as suas preocupações genéticas e a sua insistência sobre a ação recíproca, LOCKE adopta uma estratégia bem dissemelhante de BOAS. Ele já não defende (com efeito), a tese de um estrito paralelismo entre corpo e espírito. Sim (ele) argumenta (ao invés), a favor de uma ruptura fundamental entre os traços fisiológicos e as aptidões mentais, psicológicas, intelectuais (LOCKE...). Lá ainda (ele) permanece fiel aos ensinamentos de Henri BERGSON que tinha defendido, em “Matière et Mémoire” (1896). Um necessário dualismo entre o corpo e o espírito. No entanto, o pensador Negro americano vai mais longe: Enquanto BOAS e HERSKOVITS especificam, através das medidas antropométricas, que “diferenças raciais” existiam de um grupo ou de uma geração para outra, LOCKE visa (sobretudo), determinar as fontes (tão pouco), diferenças ou desigualdades, mas sim, iniquidades e discriminações, no âmbito da vida social (LOCKE...).
(6)           De sublinhar (antes de mais), que a Antropologia e a Psicologia Sociais lhe servem (antes de tudo e em primeiro lugar), para explicar diversas formas de interação (dominação e subordinação, segregação, conflito, cruzamento de círculos sociais...). LOCKE analisa (em seguida), as práticas e as teorias racistas, relacionando-as com causas históricas, materialistas e psicológicas. As hierarquias raciais aparecem (sempre), na História, como a cristalização de estatutos diferenciados e como a racionalização de uma vontade de poder (LOCKE...). Por conseguinte, nem a demonstração científica dos erros do racismo, nem a dialéctica materialista da luta de classes não bastam para erradicar esta prática social. Com efeito, o sentimento racial encontra (identicamente), a sua fonte no sentimento de parentesco (Kinship feeling), “base antropológica de toda organização social”: Para ser apenas uma “ficção étnica”, este último não resta nisso menos muito pejado no imaginário social. “As classes económicas podem por conseguinte ser absorvidas, as nossas castas psicológicas não serão nisso dissolvidas por essa razão” (LOCKE...).
(7)           LOCKE condena (de facto), sem ambiguidades, as derivas sectárias do sentimento racial, mas (ele), se reserva bem de rejeitar todo “racionalismo”, por essa razão. El sublinha (com efeito), várias vezes seguidas, que o sentimento de pertença à uma Comunidade (histórica e culturalmente dada), pode (outrossim), gerar efeitos positivos e criadores, designadamente, em situação de dominação (LOCKE...). Ele sabe (destarte), reconhecer, à semelhança de DU BOIS, “Une avancée”, no âmbito da diferenciação simétrica e da afirmação do Si, a qual permite transgredir (utilmente), a “fronteira”  psicológica e sociológica entre os dominantes e os dominados (LOCKE, 1942?) Descobre-se, neste instante, na sua obra, um enunciado muito lúcido dos efeitos patogénicos da esquimogénese sobre as psiques individuais e colectivas.
(8)           Com efeito (et pour cause), do lado das maiorias dominantes, a aprendizagem precoce do preconceito racista (e isto a despeito das tendências naturais da criança, LOCKE, 1942?), pode dar lugar à diversas aberrações comportamentais, tal como a persecução violenta em contextos de interação complementar (é a prática do bode expiatório”), ou a paranoia agressiva e a histeria colectiva nos contextos de interação simétrica. Ou seja: É a obsessão (ideia fixa) da violação e da mestiçagem, ou (mais amplamente), o medo do perigo racial” (Ibid.). E, por sua vez, do lado das minorias dominadas, se reencontra (não unicamente), todas estas “Psicopatologias” imitadas da maioria (LOCKE, 1942?), mas se pode (ainda), descobrir nevroses singulares (tais como o ódio de si, o desespero, a dupla consciência descrita por DU BOIS).
(9)           LOCKE corrobora (destarte), o modelo esquimogenético de BATESON, mas o transformando. Se (ele) confirma, como DU BOIS, uma predominância da diferenciação complementar, no âmbito das “relações entre os Negros e os Brancos” (BATESON...), o filósofo se recusa a encarar uma especialização dos dois grupos nas suas atitudes respectivas, para empalhar as derivas induzidas pelo regime dominante (que favorece), o ativismo e o nacionalismo cultural da comunidade negra americana (ele) escolheu (por conseguinte), sistematizar as dinâmicas sociais (relevadas pelo regime turbulento), no entanto, as articulando, numa perspectiva idealista.
(10)         Já agora, de anotar, que Georg SIMMEL fazia (por exemplo), da “fidelidade” uma das formas (a priori), da socialização, enquanto esta última se concebia (fundamentalmente), segundo o princípio da ação recíproca (Wechselwirkung). LOCKE propõe optimizar este afecto social num princípio à fim universal, à maneira da Lei moral em KANT, enquanto (ele) escolheu privilegiar as interações esteadas numa verdadeira reciprocidade.
(11)         Não deixa de ser (assaz), relevante, sublinhar, que o lealismo (ou a dedicação voluntária de um indivíduo à causa supra-pessoal que escolheu), representa (por certo), um potencial perigo. “Os lealismos em conflito podem suscitar perturbações sociais de natureza geral pelo facto que o lealismo é bom para as pessoas”, não basta para decidir qual das causas é justa, quando diversas causas se opõem umas às outras”, sublinhava (com efeito), o filósofo americano, JOSIAH ROYCE (1855-1916), um dos “Maître à penser” de LOCKE em HAVARD (ROYCE, 1946?). Este filósofo americano instituía (por conseguinte), no interior do lealismo, um princípio de regulação: Tratava-se de “determinar o meu lealismo, pelo menos, em certa medida, pela consideração do bem e do mal reais que a causa que me é proposta faz a humanidade” e visando com isso, mesmo à isto “que ele tenha no futuro mais lealismo no Mundo antes que menos”, LOCKE reata por conta própria este princípio de um lealismo para com o lealismo” (LOCKE...), que reconduz (de facto), o gesto típico (teleológico e reflexivo) do idealismo, em que a estrutura intencional constitui o seu próprio fim (enquanto o fim constitui o meio). Todavia, esta reapropriação de um dos hábitos conceptuais maiores do regime dominante é posta ao serviço de uma preocupação (toda pragmática), para os efeitos positivos de uma tal atitude, no âmbito das interações sociais.
(12)         Na verdade, no seu modo de pensar intelectual, como (outrossim), na sua defesa de um nacionalismo cultural aberto sobre os outros, LOCKE antecipa (por conseguinte), esta concepção singular do universal que AIMÉ CÉSAIRE (1913-20   ), defenderá, em 1956, na sua famigerada: “Lettre à Maurice THOREZ”: Ou seja: “Aucunne doctrine ne vaut que repensée par nous, que repensée pour nous, que convertie à nous (...) Provincialisme? Non pas. Je ne m’enterre pas dans un particularisme étroit. Mais je ne veux pas me perdre non plus dans un universalisme décharné. Il y a deux manières de se perdre: par ségrégation murée dans le particulier ou par dilution dans universel”. Ma conception de l’universel est celle d’un universel riche de tout le particulier, riche de tous les particuliers, approfondissement et coexistence de tous les particuliers”. (CÉSAIRE In Ngal 1994: 139 & 141).
(13)         A outra estratégia, para evitar as derivas racialistas, consiste em favorecer as interações de todas espécies. De feito, LOCKE  chega (destarte) à formular, desde 1930, um princípio de livre troca e de reciprocidade cultural”, que participa de uma nova lógica de interação social. Donde e daí, em resumo: “O progresso do mundo moderno exige o que se poderia denominar a livre troca na cultura e um reconhecimento completo do princípio da reciprocidade cultural. Os bens culturais, uma vez que evoluíram, já não constituem a propriedade exclusiva da raça ou do povo onde nasceram. Pertencem a todos os que os podem utilizar. Está, por cima, de todos aqueles que podem disso fazer o melhor uso”. (LOCKE...).
(14)         Enfim e, em suma: Na verdade (et pour cause), LOCKE formula (destarte), o mesmo discernimento que DU BOIS: Praticar, encorajar, favorecer a reciprocidade no próprio interior de contextos esquimogenéticos lhe parece, de modo algum, uma tarefa vã, mas (eminentemente), necessária (LOCKE...). É (por conseguinte), esta orientação (mais qualitativa que quantitativa), mais distributiva que cumulativa, que se trata instaurar ou preservar (restaurar ou prosseguir), se (se) pretende paliar os esquemas relacionais clássicos, sejam simétricos ou complementares.


Lisboa, 09 Junho 2012
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista --- Cidadão do Mundo).