segunda-feira, 15 de junho de 2009

KWAME KONDÉ

INTERVENÇÃO QUADRAGÉSIMA SEXTA:
A
(I)

“L Afrique noire (est ou était) mal partie” escrevia, com densidade e húmus respectivo, no ano 1962, o pacifista, agrónomo de prestígio internacional, ecologista conceituado, o francês, RENÉ DUMONT (1904-2001).
Desde então, as imagens difundidas pelas médias de massa são bem mais funestas, que esta profecia anunciada não deixa pressagiar. Os factos são acabrunhantes para a África, para a espécie humana, enfim, para Todos, sem excepção.
Explicitando adequadamente, vejamos então:
O Genocídio Ruandês, a Sobrevivência e o Antagonismo bárbaro dos tribalismos residuais, a ruína avançada da Somália, a Proliferação dos órfãos, corolários revulsivos do SIDA, o Terrorismo de massa concebido pelo fundamentalismo obscurantista e resíduos dos sincretismos religiosos, a desintegração virtual da Costa do Marfim, a persistência da crónica e deletéria crise no Zimbaubwe e os recentes Eventos/Acontecimentos, assaz trágicos no Quénia e na África do Sul, não são, na verdade, meros factos isolados.
Com efeito, não há dúvida nenhuma, que estamos perante um autêntico e verídico enfraquecimento, quão generalizado e, quão preocupante!

(II)

Todavia e, a despeito de tudo, muitas mulheres e muitos homens decididos e afoitos tentam se desarreigar da rampa da miséria. O seu combate francamente temerário, apesar das divisões e das temporalidades diferenciadas, testemunha acerca desta marcha forçada para vislumbrar e, porque não, poder ocupar um lugar ao sol.
Eis que, então o céu pardacento da África foi iluminado por quatro (4) Acontecimentos de alcance Continental, ou seja: O fim do odioso Sistema do Apartheid, na África do Sul, a Instauração gradual de Sistemas políticos de “tonalidade”- soit disant – “democrática e liberal”- o Nascimento da União Africana e o Lançamento do Novo Partenariado para o Desenvolvimento da África.
Trata-se, apenas de mais um dos sinais anunciadores de um possível renascimento africano, ou, não passa de uma mera expressão de uma remissão fugaz de um cancro metastasado? É a questão que paira soturnamente, no Horizonte incerto dos Grandes Eventos Humanos, mais uma vez. A ver, vamos! ...

(III)

Por razões e motivos óbvios, a nossa convicção é que a África só é tão grande, quando se volta para si mesma e extrai do mais profundo dos seus arcanos, nos seus valores de elevado Humanismo, força e, outrossim, uma esperança eminentemente viva e prenhe de porvir. Deste modo, nestes azados momentos, sabe, evidentemente, se congregar e banir, com uma robusta eficácia, os estultos demónios do ódio.
Continente aparentemente “pobre”, singular e, outrossim sui generis, infelizmente marginalizado, a África é um dos berços, melhor dito, aliás, o verdadeiro Berço da Humanidade, com todo o seu esplendor, de forma cientificamente, concreta, à partir da descoberta dos australopithecos, no Rift Valley e, recentemente do de Toumai (o Primeiro Homem), encontrado, num fóssil de sete (7) milhões de anos, na República do Chade (Estado da África Central), no ano 2003, sem olvidar, obviamente, o homo habilis e o homo errectus. Desde então, se o sabe actualmente, que, na verdade, principiou a longa e complexa “Aventura Humana”.
De feito, de sublinhar, que Jazigos Africanos receptam os mais vetustos Hominídeos cuja a evolução se acompanhou da indústria acheulense com o homo errectus. Na Europa, a espécie denominada, o Homem de Neandertal é um derivado do Homo Sapiens africano.
Já agora, uma elucidação pertinente e oportuna: Acheulense se diz de uma indústria do paleolítico antigo/inferior, caracterizada pelo uso de grandes sílex talhados como bifaces.
Por outro, tão longe, quanto se possa remontar no tempo, na Idade do Ferro, na conjuntura, se observa que os Povos Africanos terão franqueados estas decisivas etapas associadas às mutações demográficas, às alterações erráticas, porém, contínuas do Ambiente, assim como, aos efeitos associados às múltiplas deflagrações dos sincretismos religiosos e culturais.

(IV)

Todavia, se impõe consignar, com ênfase, que é a rigidez e a brutalidade da ancoragem da África, no Sistema Mundial que engendrou as rupturas, as mais profundas, absolutamente.
Nesta Terra, (hoje em dia), presentemente, quão abandonada e, quão desamparada, porém, outrora, autêntica locomotiva do Mundo com o Egipto, nasceram escravos e mãos de obra servis, vassalos do tráfego de uma importante porção da Espécie Humana.
Historiadores idóneos relataram, com um mínimo de rigor científico as etapas marcantes das mutações do Homem Africano e das suas capacidades, onde se pode verificar claramente que, na verdade, as Sociedades Africanas demonstraram as suas habilitações e aptidões respectivas em se transformar. Demais, de referir, ainda que, ulteriormente, o Continente conheceu epopeias com os Fatimidas, os Almoranidas, os Almohadas, o Mali, os reinos Yorubas, os Impérios do Benin e Gao, para só citar estes, evitando ser exaustivo.
Eis porque, os Africanos podem e devem ser considerados, sem favor e preconceito de espécie alguma, como os edificadores/construtores anónimos de grandes Civilizações. Donde, com assumida modéstia, se impõe, asseverar avisadamente que a África serviu eloquentemente o Universal dominado actualmente, pela potência do dinheiro. Aliás, não é por mero acaso, que o conhecido e conceituado historiador africano (natural de Burkina Faso) o Professor Joseph KI-ZERBO (1922-2006), escreveu, em substância, na sua obra mais recente (Repères pour l’Afrique, Panafrika), que ela (a África) “a enfanté la civilisation humaine”.

(V)

No entanto, o que é facto é que o tempo da conquista pelas armas terminou. As guerras coloniais, as vagas dos djihads, os contextos bélicos, a espiral dos actos de violência militares, enfim e, em suma: numa eloquente asserção o caos de outrora terminou.
Porém, a violência perdura sob a forma, a mais perniciosa possível. Aliás, foi neste sentido, que o filósofo francês, Jean-Paul SARTRE (1905-1980) asseverou avisada e magistralmente nos termos seguintes: “La violence n’est pas nécessairement un acte …Elle est absente en tant qu’acte de nombreux processus … Elle n’est non plus un trait de Nature ou une virtualité cachée… Elle est inhumanité constante de conditions humaines en tant que rareté intériorisée, bref, ce qui fait que chacun voit en chacun l’Autre et le Principe du Mal… Aussi n’est-il pas nécessaire pour que l’économie de la rareté soit violence qu’il y ait des massacres et des emprisonnements, un usage visible de la force… Il suffit que les relations de production soient établies et poursuivies dans un climat de crainte, de méfiance mutuelle, par des individus toujours prêts à croire que l’autre est un contre homme et qu’il appartient à l’espèce étrangère ; en d’autres termes que l’Autre comme « celui qui a commencé » … Cela signifie que la rareté comme négation en l’homme de l’homme par la matière est un principe d’intelligibilité dialectique ».
De consignar, que efectivamente, esta reflexão remete para esta violência permanente, fugaz, indescritível, porém sempre presente, como uma assumida variável estruturante da nova cosmogonia. De feito, mais odiosa que um mero acto, estende a sua esfera em África, onde as populações desarmadas se sentem abandonadas por todos os homens que renegaram todos os elementos fundamentais da ética humana.

Lisboa, 13 Junho 2009

KWAME KONDÉ
(Intelectual Internacionalista Cidadão do Mundo)
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