sexta-feira, 13 de março de 2009

KWAME KONDÉ

INTERVENÇÃO VIGÉSIMA SEXTA:

A negação da negação da Raça…

“Et les études africaines ne sortiront du
cercle vicieux où elles se meuvent,pour
retrouver tout leur sens et toute leur
fécondité, qu’en s’orientant vers la vallée
du Nil. Réciproquement, l’égyptologie ne
sortira de sa sclérose séculaire, de l’hermétisme
des textes, que du jour où elle aura le courage
de faire exploser la vanne qui l’isole, doctrinalement,
de la source vivifiante que constitue, pour elle, le
monde nègre ». (Cheikh Anta Diop, Antériorité
des civilisations nègres : mythe ou vérité historique ?,
Paris, Présence Africaine, 1967).

(I) A 29 Dezembro do ano de 1923 nasce numa pequena aldeia do Senegal (Caytou), o eminente intelectual senegalês, um verdadeiro sábio realizado, que consagrou toda a sua vida à Investigação, na genuína acepção do termo/expressão.

(II) De consignar, com ênfase, que a África, já então, se encontra sob o domínio colonial europeu que assumiu a vacatura e oportunidade deixadas pelo tráfego negreiro atlântico iniciado no século XVI. De feito, a violência da qual a África constitui o objecto, não é de natureza exclusivamente militar, política e económica.

(III) Na verdade, uma plêiade de “teóricos”, designadamente Voltaire, Hume, Hegel, Gobineau (sobretudo este), Lévy Bruhl, etc. e determinadas Instituições da Europa (nomeadamente, o Instituto de Etnologia de França criada no ano de 1925 por Lévy Bruhl, por exemplo), dizíamos, se envidam em legitimar, no plano moral e filosófico, a inferioridade intelectual decretada do Negro. É a visão de uma África anti-histórica e acrónica cujos os habitantes, os Negros, jamais foram responsáveis, por definição, de um único feito de civilização, que se impõe e, de que maneira, nos escritos e se ancora deleteriamente nas consciências. Eis porque, deste modo e, nesta perspectiva, o Egipto é arbitrariamente vinculado ao Oriente e ao mundo mediterrâneo geográfico, antropológica e culturalmente exprimindo.

(IV) É, por conseguinte, neste contexto singularmente hostil e obscurantista que Cheikh Anta DIOP é coagido a pôr em causa, através de uma investigação científica metódica, os fundamentos próprios da cultura ocidental relativos à génese da Humanidade e da Civilização. Deste modo, o Renascimento da África, que implica, obviamente a Restauração da Consciência histórica, lhe aparece, como uma Tarefa incontornável à qual consagrará, de corpo e alma, toda a sua Vida e Existência respectiva.

(V) De sublinhar, por outro, que é, neste sentido que ele se vincula, desde os seus Estudos secundários à Dakar e St. Louis do Senegal, em se dotar de uma formação pluridisciplinar, no âmbito das Ciências Humanas e das Ciências exactas, nutrida por aturadas leituras (leia-se, outrossim estudos de grande fôlego), admiravelmente numerosas e diversificadas. De anotar, que se adquire, desta forma, um notável domínio da cultura europeia, não está, todavia, menos profundamente enraizado na sua própria cultura. Eis porque, o seu perfeito conhecimento do wolof, a sua língua materna, revelar-se-á constituir uma das principais chaves que lhe abrirá as portas da Civilização faraónica. E, já agora, por outra via (e, porque não, como outro motivo) o ensino corânico o familiarizou, de molde assaz consequente com o mundo arábico muçulmano.

(VI) Enfim e, em suma: Desta forma, a partir dos Conhecimentos acumulados e assimilados, no âmbito das Culturas africanas, árabe muçulmana e europeia, Cheikh Anta DIOP elabora contribuições notáveis em dissemelhantes domínios. Eis porque, efectivamente, o conjunto dos seus profícuos e aprofundados trabalhos se apresenta como uma obra, assaz coerente, convincente e quão persuasiva que faz, ipso facto, de Cheikh Anta DIOP um verdadeiro sábio e um autêntico Humanista.

(VII) Na verdade e, na realidade, Cheikh Anta DIOP orientou, de modo sobremaneira avisado e metódico, os seus conspícuos trabalhos de investigação proba, para uma recolha fecunda dos factos e fenómenos susceptíveis de outorgar a África (o Continente berço da Humanidade) o lugar que ela pôde e pode ainda legitimamente ocupar na História do Homem e da Civilização. A Física, a História e a Egiptologia, na circunstância, a Paleontologia, a Linguística, outrossim porém e, sobretudo a Antropologia foram domínios, onde de facto, o enciclopédico Pensamento e Heurístico de Cheikh Anta DIOP investiu assertivamente.

(VIII) Com efeito, aproximadamente um século após o famigerado e histórico Texto do antropólogo, jornalista, político e pensador haitiano, Joseph Anténor FIRMIN (1850-1911), vindo, em boa hora, contrariar, pertinentemente as estultas teses vindas a lume, no ano de 1885 da autoria do escritor e diplomata francês Joseph Arthur (Conde de Gobineau (1816-1882)), eis que surge na ribalta dos Grandes Eventos Humanos, o insigne investigador senegalês e africano assumido, DIOP, com a publicação, no ano de 1981, da sua aprofundada obra: Civilisation ou barbárie (anthropologie sans complaisance ) editada em Paris (1981) pala Présence Africaine. Trata-se, de facto, de uma Obra que veio confirmar e aprofundar as suas robustas e sólidas teses acerca de um bom número de questões quão axiais e fundamentais tratadas magistralmente nas suas demais obras (designadamente: Nations nègres et culture (1954), Anteriorité des civilisations nègres: mythe ou vérité historique (1967) e L’Afrique noire précoloniale, 1960), tendo feito referência, no âmbito do Africanismo, em geral e o Pensamento negro africano, em particular.

(IX) De anotar, outrossim e, ainda, que DIOP possui a particularidade de tratar até à obsessão a questão da anterioridade e da influência das civilizações negras, sem, contudo, cair no racismo ou mesmo no racialismo. Todavia, não menospreza identicamente o facto racial. Demais, não o nega menos. Absolutamente, pelo contrário, visto que, entre os seus objectos de pesquisa, a determinação da raça e da etnia dos antigos egípcios figura, ocupando um lugar sobremaneira privilegiado. O repto consiste em relevar assertivamente a posição e o papel respectivo dos povos de raça negra na sua histórica e ingente saga em prol do desenvolvimento das Civilizações Humanas.

(X) Demais, segundo DIOP a escravatura e a colonização da África toldaram a memória dos Africanos e as referências para toda a Humanidade. Donde e daí, a verídica reabilitação da África e a Libertação do Africano passam forçosamente por um restabelecimento consentâneo e dialecticamente consequente dos factos históricos ocultados ou deformados pela Ideologia imperialista e ocidental.

(I) De feito, para DIOP se afigura importante saber que o primeiro habitante da Europa era um “negróide migrateur, l’homme de Grimaldi”, na ocorrência. Sublinha outrossim e, ainda, que “La différenciation raciale s’est effectuée en Europe, probablement dans la France méridionale et en Espagne, à la fin de la dernière glaciation Wurmienne, entre – 40 000 ans et -20 000 ans ».

(II) Eis porque, com efeito, não há dúvida nenhuma, que para DIOP é assaz evidente que o Homem de Grimaldi precede o homem de Cro-Magnon que representa o tipo humano leucodérmico. Por seu turno, este só aparece perto de – 20 000 anos. E, “il est probablement le résultat d’une mutation du négroïde grimaldien durant une existence de 20 000 ans sous ce climat excessivement froid de l’Europe de la fin de la dernière glaciation ». Deste modo, ipso facto, o Homem foi, em primeiro lugar negro. Porém, para DIOP se convém restabelecer, assim, os factos, não existe, contudo, nenhuma vanglória particular que se vincula à esta realidade.

(III) Demais, outrossim e, ainda, o investigador senegalês se desmarca da tendência em negar a existência da raça. Ou seja: “La race n’existe pas! – se demande-t-il – mais on sait que l’Europe est peuplée de Blancs, l’Asie de Jaunes et de Blancs qui sont tous responsables des civilisations de leurs pays et berceaux respectifs. Seule la race des anciens Egyptiens doit demeurer un mystère ».

(IV) De consignar, por outro, que o objectivo de identificação da raça dos diversos actores da história cultural da humanidade não procede, na obra de DIOP, de uma problemática racialista. Facto que se verifica nas suas tomadas de posição anti essencialistas no atinente à abordagem explicativa da permanência de determinados traços culturais existentes nos Negros Africanos. Donde, então avisadamente: “Les traits culturels que nous avons hérités du passé, assevera DIOP n’ont rien de figé ou de permanent mais… changent avec les conditions. » Assim, se pode afirmar, que ele explicará pela história o que SENGHOR explica pela racialidade.

(V) Enfim e, em suma: Para ele (DIOP) se convém assumidamente fazer de modo que os povos africanos e negros se reapoderam da sua história e do seu papel activo no devir do Mundo, não é necessário encarcerar os Negros numa cultura figée em nome da raça. Assim, “Nous assistons – assevera Cheikh Anta DIOP – à une nouvelle conscience morale africaine, un nouveau tempérament national sont en train de se développer sous nos yeux. » E, nesta óptica e dinâmica respectiva, os únicos invariantes que DIOP pode considerar não relevam de determinantes raciais, antes, porém, linguísticos e históricos: “Les facteurs historiques et linguistiques constituent des coordonnées, des repères quasi absolus par rapport au flux permanent des changements psychiques.”

(VI) E, rematando, de modo dialecticamente consequente, com efeito, em resumo e, afinal de contas, o Africanismo negro se afigura divergente. De feito, a permanência do tema da raça nos seus elóquios não define aí um racialismo dominante. Aliás, de anotar, que a recorrência da ideia de raça remete, neste caso, para concepções dissemelhantes até divergentes. Os autores e as suas elaborações doutrinais não devem sofrer todos do mesmo mal em prejuízo da complexidade que é necessário reconhecer a este pensamento negro africano que se desenvolve de molde plural.

Lisboa, 11 Fevereiro 2009
KWAME KONDÉ
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