terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

KWAME KONDÉ

INTERVENÇÃO VIGÉSIMA TERCEIRA:

O racismo, tanto como, o anti-racismo se apoiam sobre argumentos variados. Que se trate dos partidários de uma hierarquia das “raças”, como Aristóteles, Kant, Renan ou Hitler, ou defensores da unicidade da “raça” humana, de Montaigne a Derrida, passando por Leibniz, Darwin, Lévi-Strauss, em cada campo, os discursos são diversos.

A Carta das Nações Unidas de 1945, no seu capítulo I, indica como um dos fins da Organização que se cria após a vitória sobre o totalitarismo nazi, o seguinte:

«Réaliser la coopération internationale en résolvant les problèmes internationaux d’ordre économique, social, intellectuel ou humanitaire, en développant et en encourageant le respect des droits de l’homme et des libertés fondamentales pour tous, sans distinctions de race, de sexe, de langue ou de religion. »

(1) Efectivamente, na verdade e, na realidade, o Racismo se impõe à ponderação pela violência homicida dos comportamentos que inspira, pelo ódio meticuloso que nutre, em silêncio, no que é presa nas suas malhas, pelos sinistros delírios de interpretação que fomenta e promove, em jeito de concepção do Mundo. Todavia, este fenómeno quão agressivamente visível e quão facilmente identificável, parece desafiar a análise e uma impressionante força de resistência opõe a todas as campanhas de denúncia e condenação.

(2) Seria imputável a um preconceito, à uma opinião falsa passivamente recebida, assentando, em última análise, num erro de apreciação?

Por outro, os comportamentos racistas obedeceriam a um “dogma”, o da desigualdade das raças humanas, admitindo sem crítica, porém desnudo de fundamento científico?
Ou, outrossim e, ainda: seria necessário procurar o móbil último do racismo numa realidade doutrinal, doravante, não só caduca como sobremaneira prescrita, obviamente?
Enfim, de sublinhar, que foi esta última opinião, ora enunciada, que os primeiros dirigentes da UNESCO assumiram, aquando consignaram para a Instituição, o objectivo de erradicar do Planeta “O preconceito racial” em nome do qual a Alemanha nazi acabava de planificar e administrar a morte de milhões de seres humanos.

(3) De feito, o corpus doutrinário constituído no decurso do século XIX pelas teorias racistas tinha de que impressionar, visto que se podia encontrar nisso os primeiros esboços nas obras dos maiores naturalistas do século XVIII, designadamente, o naturalista e escritor francês, Georges Louis Leclerc, conde de BUFFON (1707-1778) e o botânico e zoólogo sueco, Carl von Linné, conhecido vulgarmente por LINEU (1707-1778), que ensaiaram classificações acerca das raças humanas. Todavia, a doutrina não corresponde antes à racionalização, isto é, à justificação e a sistematização, de práticas preexistentes?


(4) Donde, no âmbito desta dinâmica, duas vias se abrem, aparentemente incompatíveis, para se poder compreender estas mesmas práticas. A primeira consiste em procurar um móbil no âmbito de uma hipotética natureza humana. Eis porque, o racismo aparece então como a derradeira metamorfose de uma disposição prístina de todo ser humano em sobrestimar o seu próprio grupo em detrimento dos outros. Numerosos são, na verdade, os documentos históricos que testemunham a xenofobia (aversão às pessoas e coisas estrangeiras) da qual pode parturir esta sobrevalorização, identicamente entre os povos aparentemente mais esclarecidos como os da Grécia antiga.


(5) Destarte, uma determinada sociobiologia (disciplina que trata de estudo comparativo da organização social dos animais, incluindo a do homem, especialmente em relação à sua base genética e à sua história evolutiva), auxiliando, alguns investigadores advindos, no término da década de setenta do século XX pretérito, no enraizamento deste etnocentrismo (tendência de um indivíduo para hipervalorizar o seu grupo, o seu país, a sua nacionalidade) no jogo de uma espécie de mão invisível genética que teria guiado cada grupo, nos afrontamentos com os seus rivais, na via de um “êxito reprodutivo” global.


(6) Outros, ainda, sublinham, pelo contrário, a novidade do racismo tal como se constitui, se propala e, no momento oportuno, se desenfreia sob forma de genocídios (exterminações de um grupo humano, nacional ou religioso), à partir da Europa hodierna. Demais, verifica-se actualmente, outrossim, que as potências imperiais lograram exportar para o território das suas vítimas, as concepções destinadas a justificar as suas exacções nefandas.


(7) Os economistas, por seu turno, contribuem para advertir, que para além do período colonial, a expansão do capitalismo à escala planetária incitou à “etnização” das populações destinadas a fornecer a mão-de-obra mais mal paga. Por sua vez, os historiadores sublinham o vínculo entre o advento do racismo e a descristianização que teria desacreditado a tese bíblica da unidade do género humano. Enfim, por sua parte, os politólogos relacionam racismo e nacionalismo.


(8) Deste modo, o racismo se assume, não como um traço de natureza, porém como um fenómeno social recente intrinsecamente vinculado aos desenvolvimentos do que se denomina a “modernidade”.

Finalmente, a reiteração mortífera dos temas do sangue, do sexo e da irracionalidade que nutre os discursos e acompanha invariavelmente as práticas racistas deve ser tomado a sério, identicamente o jogo repetitivo ao qual se entregam os racistas acerca dos nomes próprios. Desta forma, nisso se revela o que coloca à experiência esta forma radical do ódio social. Seja, a identidade dos indivíduos humanos que, cada um assume por conta própria, somos chamados a tornar, tomando lugar num sistema de filiação que se apodera dos corpos para os distribuir, em função do sexo, nos seus lugares juridicamente instituídos. Eis porque, os reptos imediatos do racismo sejam exterminação genealógica.

Lisboa, 22 Fevereiro 2009
KWAME KONDÉ
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