quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

KWAME KONDÉ

INTERVENÇÃO DÉCIMA OITAVA:

(1) Os Historiadores africanos dividem, por vezes, a História do nosso Continente, a África, grosso modo, em Eras “pré-colonial”, “colonial” e “pós-colonial”, sendo, consoante os mesmos, a Primeira e a Derradeira caracterizadas pela autonomia das Sociedades africanas. Deste modo, a Primeira Era constituiu um período de reinos, circunscrições político-administrativas, conselhos de aldeias, sistemas de parentesco e, por seu turno, a última ou Derradeira, um Período de Estados nações, possuindo todos a sua própria bandeira, o seu próprio passaporte, os seus próprios selos, a sua própria moeda e, demais outros símbolos da Soberania, assim como, o seu assento nas Nações Unidas e a sua legítima pretensão em regular e tabelar (fixando o preço) da produção e do comércio no interior das suas fronteiras.

(2) Antes de mais, se nos antolha pertinente e oportuno trazer à colação as ideias do historiador nigeriano, Jacob F. Ade Ajayi (docente universitário in University of Ibadan, Nigéria), que denominou o período intermediário, sob a designação de “episódio colonial”, período, que outros designam por “parêntese colonial”. De feito, de elucidar apropriadamente, que Ajayi esteava directamente o seu argumento numa concepção nacionalista da vida política, na medida em que pretendia sublinhar o vínculo directo dos Estados africanos “modernos” com um passado africano “autêntico”, permitindo, deste modo, aos novos dirigentes, designadamente da Nigéria, do Quénia, ou do Daomé (actual República do Benin) se atribuir a legitimidade dos reis e avoengos do passado. Todavia, mais recentemente, a desilusão nascida ante a conduta execrável dos governos africanos independentes, levou determinados estudiosos e investigadores a adoptar um ponto de vista oposto. Ou seja: “O Estado” é uma entidade imposta pelo Ocidente, destarte, uma determinação directa do pós-colonial pelo colonial e, no fundo, uma verdadeira aniquilação total do pré-colonial

(3) E, raciocinando, no âmbito, destes argumentos, ora enunciados, a história se assume, não como um passado morto, sim, efectivamente, como um ponto de partida para formular reivindicações totalmente actuais. Todavia, tentando utilizar uma versão particular do passado, estas duas visões opostas correm o risco de não assumir a plena medida da dinâmica do passado. Demais, pode acontecer que o boletim de voto, uma instituição “europeia”, no entanto, isto não significa que a sua utilização respectiva, no Gana tenha idêntica significação e as mesmas consequências que em Portugal. Identicamente, se pode demonstrar que o “parentesco” é outrossim importante na actual Tanzânia que o fora para as pessoas que viviam nesta mesma região no início do século XIX, isto não significa que os grupos de parentesco mobilizam recursos similares ou que os seus membros tenham objectivos similares. Invocar, deste modo, o passado – para encontrar os anos de 1780 ou 1930, a causa de um Acontecimento/evento ocorrido inopinadamente nos anos 1990 arrisca-se a desconhecer e ignorar as múltiplas orientações que pode assumir a mudança.

(4) Eis porque, urge, por motivos óbvios, lançar uma ponte entre as duas divisões clássicas da História da África, ou seja, entre o “colonial” e o “pós-colonial”. De feito, este procedimento avisado permitirá, ipso facto, designadamente questionar que mudanças acompanharam o término dos impérios e que processos se perpetuaram mesmo quando os poderes mudaram de timoneiros. Demais, de anotar, que alguns asseveram que o fim do colonialismo se soldou numa mera e simples mutação de ocupantes dos edifícios governamentais, pela substituição do colonialismo pelo seu sucedâneo natural, o neocolonialismo. De facto, se afigura percuciente indagar assertivamente qual foi, na verdade, a autonomia real dos novos Estados africanos, pois que, na realidade, efectivamente, os Estados do Norte (USA e as antigas potências coloniais) e as Instituições tais como os bancos internacionais e as firmas multinacionais continuam exercendo ostensivamente o poder económico e político inclusivamente após as transferências oficiais da Soberania.

(5) Urge, identicamente examinar em que medida os dirigentes políticos, os aldeões ordinários e os citadinos africanos recuperaram determinadas asserções das potências colonizadoras para as transformar em reivindicações e em ideologias mobilizadoras. Com efeito, eis porque, no âmbito desta dinâmica, os governos coloniais, nos anos 1940 e 1950, proclamavam que os seus conhecimentos científicos, a sua experiência do funcionamento dos Estados modernos, os seus recursos financeiros lhes permitiriam “desenvolver” os países soit disant subdesenvolvidos.

(6) Todavia, de sublinhar, que as asserções foram rapidamente convertidas em contra afirmações, ou seja:
a. Os sindicatos africanos declararam que se o trabalhador africano devia produzir consoante o modelo europeu, devia ser remunerado em função da tabela salarial europeia e se poder beneficiar, outrossim e, ainda, de uma habitação condigna, de um abastecimento em água potável e transportes adequados e decentes.
b. Os movimentos políticos sublinharam que se as economias africanas deviam se desenvolver no interesse dos africanos, eis porque, unicamente os Africanos podiam definir em que consistiam esses interesses.
E, rematando, pertinentemente, se pode, desta forma, seguir a ideia de desenvolvimento em África desde o projecto colonial até ao projecto nacional e se poder questionar de modo seguro e quão avisado, se, realmente, o projecto nacional reproduziu determinados aspectos do projecto colonial nomeadamente, no atinente à convicção que os “peritos” devem decidir para os outros e, se este mesmo projecto nacional contribuiu para abrir novas perspectivas económicas.

Lisboa, 20 Janeiro 2009.
KWAME KONDÉ